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domingo, 28 de fevereiro de 2010

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

O leitor em busca da felicidade

Devia ter desconfiado quando, no dia subsequente à compra, fui dar com ele na estante da auto-ajuda, lá para o lado das espiritualidades numa grande superfície. Lá estava altaneiro entre Os últimos dias de JesusA Dieta Limão, encimado por Renascer das Cinzas e docemente aconchegado por A sabedoria nossa de cada dia, lado a lado com Conversas com Deus. Devia ter desconfiado logo pelo título, antes mesmo deste encontro de mau presságio.
Rapariga muito descrente e frequentemente indiferente às receitas de felicidade, céptica convicta no que respeita a fórmulas de bem-estar, doutrinações de caminhos zen e que não fala jamais com Deus(es) em língua alguma, senti uma facada traiçoeira quando o vi naquele preparo. Contudo, o que me falta noutras crenças sobra-me em fé numa parte da literatura portuguesa contemporânea e ao vislumbrar um outro livro de Nagib Mahfouz, que julgo não se dar a caminhos esotéricos, na estante abaixo, julguei que o empregado, esse sim zen e na senda do sentimento etéreo e escapadiço chamado felicidade, teria sido enganado pelo título. Estaria pois em paz com a compra recente.
Os autores. Muito mais do que o título, foram os autores que me levaram a comprar o livro. Cerca de metade dos escritores que assinam as dez histórias contam-se entre os da minha preferência. Foi assim que me atirei ao livro sem sequer pensar duas vezes, há livros que compro cegamente apenas pelo autor, e devorei sempre em busca da felicidade as dez histórias. E nada. No término da cada uma esperava o frémito de que se são feitas as prosas sensuais que perduram além do livro. Mas nada. Coisa nenhuma. Dez histórias banais num volume intitulado Em Busca da Felicidade e teoricamente em busca da dita mas que muito pouco contribuem para a felicidade do leitor. Vagueia-se entre um casal a braços com uma mosca no copo de vinho, num fim de tarde numa esplanada à beira-mar, um jornalista em início de carreira em Londres indignado com a xenofobia e uma estória para contar de uma relação que houve, não houve, haverá. Com alguns lugares-comuns, previsíveis e sem conteúdo e/ou personagens dignas de nota. Falta-lhes substância, profundidade, consistência. Apenas as de Lídia Jorge e Pepetela suscitaram algum entusiasmo. E foram-se uns doze euros. A minha intuição estava certa e devia ter dado nota daquele encontro fortuito lá nas espiritualidades, ouvido as vozes em pleno hipermercado e tê-lo devolvido no dia seguinte, argumentando que me tinha sido enviado um sinal do além ou lá de onde se situam essas coisas sem explicação. Ser céptico dá nisto.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Dúvidas

Uma mulher, um homem, três gatas, um azevinho, uma glicínia, três estrelícias, um rectângulo de relva e uma churrasqueira são uma família tradicional ou tenho de acrescentar o cão do vizinho?

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Nacos de prosa (14)

com a morte, também o amor devia acabar. acto contínuo, o nosso coração devia esvaziar-se de qualquer sentimento que até ali nutrira pela pessoa que deixou de existir. pensamos, existe ainda, está dentro de nós, ilusão que criamos para que se torne todavia mais humilhante a perda e para que nos abata de uma vez por todas com piedade. e não é compreensível que assim aconteça. com a morte, tudo o que respeita a quem morreu devia ser erradicado, para que aos vivos o fardo não se torne desumano. esse é o limite, a desumanidade de se perder quem não se pode perder. foi como se me dissessem, senhor silva, vamos levar-lhe os braços e as pernas, vamos levar-lhe os olhos e perderá a voz, talvez lhe deixemos os pulmões, mas teremos de levar o coração, e lamentamos muito, mas não lhe será permitida qualquer felicidade de agora em diante.

valter hugo mãe, a máquina de fazer espanhóis.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

domingo, 14 de fevereiro de 2010

On a Train

The book I've been reading
rests on my knee. You sleep.

It's beautiful out there -
fields, little lakes and winter trees
in February sunlight,
every car park a shining mosaic.

Long, radiant minutes,
your hand in my hand,
still warm, still warm.

Wendy Cope

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Duarte


Lindo, garboso e teimoso o meu mano gato brindou-nos com quinze anos de existência. Quinze anos de algumas sestas em comum, muita independência e uma beleza irresistível. Foi-se-nos sem que mais pudéssemos fazer. E com ele a casa mais vazia e o coração apertado.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Verticalidade

O Primeiro-Ministro tem todo o direito de processar o "Sol" e o "Correio da Manhã" por terem publicado as escutas que se julgavam convenientemente apagadas e longe da cobiça dos voyeuristas que usam "buracos de fechadura" para fazer jornalismo, tem todo o direito de exigir que sejam feitas averiguações para que se descubra afinal como é que de mãos fiéis e leais as conversas ditas privadas se propagaram como uma peste contagiosa pela opinião pública, tem o direito de processar Mário Crespo por calúnias, injúrias, atentado ao seu bom-nome e falsos testemunhos, tem o direito de se defender, processar, exigir que se averigúe. Mas como Primeiro-Ministro tem o dever de esclarecer os cidadãos deste país sobre o plano salazarento, despótico e abjecto de silenciar a comunicação social, correr com os inconvenientes que ousam atentar contra a sua opinião. Negá-lo, por exemplo, desmenti-lo e tranquilizar-nos a todos, restituindo ao país a dignidade de que são feitas as sociedades democráticas. Ou admiti-lo e demitir-se. São assim os homens de carácter. Até agora, silêncio.


Também no Delito de Opinião

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010