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sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Sodade


Diz que hoje é dia dela e eu tenho sodade também. Sodade de beber um ponche no Mateus no Sal, ou de comer um cozido de peixe em S. Tomé, beber uma capirinha acompanhada com uma espetadinha de camarão na praia, pode ser em Búzios, sobrevoar o Rio de Janeiro, passar uma tarde no Pelourinho em Salvador ou descer pelo Elevador Lacerda ao Mercado Moderno, subir ao Bonfim, calcorrear Havana e retemperar o calor com um mojito pelo meio-dia e ver a manhã chegar em Negril. Ai sodade, sodade.

Excelentemente nus

E sempre que me abeiro do computador as crónicas, os textos e os posts surgem, os que não posso escrever, mas que me saltam sem que nada possa fazer, o desfile das presunções alheias, os reis e rainhas que vão nus e que vejo passearem-se à minha frente, provavelmente em qualquer sala de professores, o embuste de uma avaliação que diz distinguir os muito bons dos medíocres. E lá vão eles, os muito bons e excelentes desfilando com pompa e circunstância, embriagados pelo seu ego maior do que a competência que querem agora alardear, enganando-se apenas a eles próprios e aos papalvos que saltam de caixa de comentário em caixa de comentário dando vivas a uma política de educação degradante e chacinando os professores vistos do alto do seu douto umbigo.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Crónica de uma professora entupigaitada

Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Ai Os posts que eu escreveria se pudesse...

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Coincidências

Estar a dar os graus de parentesco em plena crise de consanguinidade lá para São Bento.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Nacos de prosa (7)

Um dia, Gronk, o Cro-Magnon do Norte, disse (logo depois de ter inventado a linguagem) a Bonga-Bonga, Cro-Magnon do Sul: "mim diferente tu". O que poderia ter sido o início de uma afirmação inteligente tomou-se, desde logo, razão para uma troca de marretadas porque Gronk acrescentou: "tu diferente mau, mau". Desde então enraizou-se cada vez mais, através da longa história da estupidez humana, a ideia de que as diferenças entre seres humanos são uma coisa negativa. Isso aparece espelhado em frases, muitas vezes repetidas, acerca de "diferenças inconciliáveis" ou pessoas que se agrediram entre si por "não conseguirem resolver as suas diferenças".

Vítor Rodrigues, A Nova Ordem Estupidológica

sábado, 24 de janeiro de 2009

A lambisgóia contra-ataca

De há um tempo a esta parte arquitecto na minha cabeça um folhetim de episódios vários já confessado aqui, uma espécie de literatura de cordel para ser vendida em fascículos lado a lado com o Borda da Água. Depois de ter aberto uma grande superfície comercial aqui perto, ir ao supermercado tem sido uma aventura. Há dias que me desloco numa intencional caça ao post ou à crónica. Nesses dias o atendimento corre sem incidentes, as crónicas e posts encolhem-se entre os frascos de espargos, já vi uma esgueirar-se entre as beringelas e as courgettes e outro dia apanhei um post pela cauda, ia já escapulir-se ligeirinho entre o detergente para a roupa e o amaciador. Agarrei-o in extremis e aprisionei-o às letras.
Neste dia não ia à caça ao post. Cansada depois de um dia de trabalho lancei-me nas compras tradicionais e cumpri com exactidão a declaração de intenções lavrada num diminuto papelito branco pela fugaz hora de almoço. Há sempre algo que escapa, porém, e quando me ia embora lembrei-me que me faltavam ovos, agarro pois uma embalagem de uma dúzia e dirijo-me à caixa. Nos tempos que correm, deixámos de ser donos e senhores no que respeita à arrumação das compras nos sacos de supermercado, suspeito que a razão se deverá a uma usurpação pungente dos ditos por parte da fauna hipermercadeira que os arruma aos magotes entre as compras, o português é detentor de uma incontrolável ímpeto usurpador caso lhe seja oferecido algo. Assim sendo, tenho-me visto privada desse momento e vejo as minhas compras a serem encafuadas nos sacos de acordo com os humores dos caixas que, à semelhança de outros espécimes da fauna lusa, têm humores muito diversos. Encontro ex-alunos sorridentes e bem-dispostos prontos a cumprimentar a ex-professora, outros mais tímidos, mulheres de carranca em dias difíceis, jovem inanes incapazes de juntar um mais um e outros espécimes sem classificação. O último destes encontrei-o neste mesmo dia, quando ao arrumar-me as compras, espetou-me a embalagem de uma dúzia de ovos, altiva, na vertical, provavelmente uma estratégia para aumentar as vendas. Quando chegasse ao carro nem as cascas se aproveitariam. É melhor pensar assim do que admitir que nos dias que correm a maior parte das pessoas que nos atendem não são capazes dos gestos mais básicos e confundem uma dúzia de ovos com uma baguete de pão.

sábado, 17 de janeiro de 2009

Quem não tem medo de Florbela Espanca

Das características que o meu pai me deixou como legado lamento não ter herdado a capacidade cirúrgica de não deixar passar uma gralha que fosse. Habituado e familiarizado com a língua portuguesa também por motivos profissionais tornou-se num guardião implacável. A meio das conversas, quando lia uma revista ou se lia um rótulo, aconteceu num duma garrafa de azeite e noutro de uma garrafa de vinho, a perspicácia aliada a muita prática saltava sem pedir licença. Acontecia, por exemplo, a incursão ao prontuário a meio do almoço ou do jantar, uma busca rápida nos dicionários na estante do corredor entre a sopa e a sobremesa, o prato principal que seria debatido ainda ao café e cuja digestão se prolongaria pela tarde e noite fora, dias, meses e anos se fosse preciso. Às vezes pergunto-me como seria se me lesse o blogue, os alqueires de vírgulas a colocar, as alterações que sugeriria no seu jeito único, Tens ali uma coisita, bem, não sei, mas eu, se fosse a ti… Era então chegada a altura para eu me afirmar, Pois, mas eu gosto assim. Isso que dizes não é a mesma coisa. Regularmente ficaríamos ambos naquilo que um e outro fazíamos melhor um com o outro, ou não fôssemos tão parecidos na afirmação dos nossos pontos de vista: teimar irredutivelmente para ficar inabalavelmente no mesmíssimo lugar. E caso a genética me tivesse bafejado não haveria por aqui gralhas ou imprecisões. Não bafejou infelizmente. Podia ter-me levado a irredutibilidade nos pontos de vista a troco de umas vírgulas e rigor, até porque não só o meu pai era um velador devoto da língua. A minha mãe é uma zeladora atenta. Nada passa em branco. Digo-lhe Já leste a crónica desta semana? Já. Gostei muito, mas, olha, tens lá uma vírgula a mais... ou uma letra a menos ou a mais. Há sempre algo a faltar ou a sobrar. Desta vez não foi a crónica. Desta vez estava eu em frente ao computador, algures pela hora de almoço, a ditar um soneto de uma conceituada poetisa portuguesa a uma amiga, quando soou o alerta da pontuação Vírgula? Eu não punha aí uma vírgula. Desatenta à leitura que eu fazia e do que fazia, ouvindo apenas a minha voz, a minha mãe continuou Tantos pontos de exclamação? Ó Florbela Espanca, para a próxima que te puseres a escrever sonetos pergunta aqui à minha mãe que ela dá-te uma ajudinha com a pontuação, sim? Tanto ponto de exclamação, mulher. Havia necessidade?

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Mais um

Cento e oitenta e duas páginas depois ainda não cheguei à parte em que este, A Viagem do Elefante, é o melhor Saramago depois do Nobel ou depois do Memorial do Convento. Cá para mim é um Saramago, imaginativo e muito bem escrito, notável tendo em conta a situação em que foi escrito mas mais um Saramago.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Odisseias do quotidiano feminino

A não perder aqui, aqui, aqui e aqui.

Terça-feira


A minha televisão tem apresentado, porém, uma sintomatologia preocupante, quiçá indiciadora de uma desordem galopante que se tornou reincidente ao longo dos anos. Os episódios acontecem esporadicamente durante a semana, repetindo-se de forma muito mais efusiva e acentuada aos fins-de-semana...

E o resto pode ser lido no sítio onde há sete mulheres a cronicar, no PNETMulher

fotografia: Abhayah

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

A utilidade dos livros

'And what is the use of a book,' thought Alice, 'without pictures or conversations?'

Lewis Carrol, Alice's Adventures in Wonderland and Through the Looking-Glass.


fotografia minha

domingo, 11 de janeiro de 2009

Procura-se...


alguém que tenha lido A Vida Nova de Orhan Pamuk para troca de impressões.
Respostas nesta caixa de comentários.

sábado, 10 de janeiro de 2009

Mil e um

Quando hoje pela manhã me abeirei do ecrã em branco reparei que desde um de Outubro de dois mil e cinco tinha publicado mil e um posts.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

A recuperação e as provas

As carteiras de senhora são um labirinto insondável, albergam mistérios e tralhas em número excessivo. Descobrir o que se procura pode ser uma tarefa hercúlea levada a cabo com tacto e persistência. O telemóvel tocava, insistente, num final de tarde em que acabava de deixar a escola. Para trás o dia que se aconchegava no crepúsculo gélido mas luminoso, o chilreio de adolescentes em delírio e a sala de professores pontilhada de rostos pessimistas. Para trás, tudo, então, o tempo que se afirmava peremptoriamente de tranquilidade e aconchego entre os livros e a lareira, a preguiça das gatas na arte de nada fazer, só os felinos o conseguem com mestria. Encontro finalmente o telemóvel, após tentativas infrutíferas. A um número desconhecido correspondeu uma voz igualmente desconhecida. Quem seria? Do lado de lá soava alguma inquietação e ansiedade. Reconhecida então a voz, a conversa foi correndo com sucessivas tentativas de acalmar a mãe da minha aluna: a burocracia não deve sobrepôr-se às partidas que a saúde ou falta dela pregam, tento convencer-me, tudo se resolverá, pois, tento acalmá-la, tudo tem solução. Depois de ter sido submetida a uma intervenção cirúrgica delicada e de recuperação lenta, a minha aluna ficará retida em casa por um tempo que se adivinha longo. Desencadeados mecanismos para colmatar a ausência forçada das aulas, acresce a inquietação de fazer provas de recuperação a todas as disciplinas assim que regressar à escola e que constituem apenas aquilo que tão bem se faz neste país: burocratizar o sistema. Nada me oporia às provas caso ela, e outros como ela, se tivessem entretido no café em frente à escola em vez de ir às aulas. O absentismo não deve ser premiado em circunstância alguma. Em caso de doença comprovada não são senão uma enorme injustiça.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Nacos de prosa (6)

— Este lugar é um mistério, Daniel, um santuário. Cada livro, cada volume que vês, tem alma. A alma de quem o escreveu e a alma dos que o leram e viveram e sonharam com ele. Cada vez que um livro muda de mãos, cada vez que alguém desliza o olhar pelas suas páginas, o seu espírito cresce e torna-se forte. Há já muitos anos, quando o meu pai me trouxe pela primeira vez aqui, este lugar já era velho. Talvez tão velho como a própria cidade. Ninguém sabe de ciência certa desde quando existe, ou quem o criou. Dir-te-ei o que o meu pai me disse a mim. Quando uma biblioteca desaparece, quando uma livraria fecha as suas portas, quando um livro se perde no esquecimento, os que conhecemos este lugar, os guardiães, asseguramo-nos de que chegue aqui. Neste lugar, os livros de que já ninguém se lembra, os livros que se perderam no tempo, vivem para sempre, esperando chegar um dia às mãos de um novo leitor, de um novo espírito.

Carlos Ruiz Zafón, (2004), A Sombra do Vento.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Terça-feira a cronicar

no PNETMulher.

E outro dia veio. Outros sonhos. O mesmo desvelo, o mesmo cuidado, o mar e a tranquilidade lá fora. A mão certeira e vigorosa, sem cerimónias nem rodeios, a receita inscrita no património afectivo de uma vida partilhada e vivida. E a canela, o perfume. Os sonhos. Belos sonhos. Redondos, perfumados, apetitosos.

Henri Matisse, The Dream

domingo, 4 de janeiro de 2009

Words from the heart

Para a Tânia que está atravessar um momento muito delicado.
Que estas preces e pedidos sejam ouvidos.


imagem: Vanessa Munoz

Momento sitemeter - Edição "à bordoada na língua portuguesa"

De há uma semana a esta parte têm aparecido procuras curiosas no meu sitemeter. Depois da conversa das doenças já cá vieram à procura do Clavoxil e do Azomyr. Mas o pior de tudo estava para vir e o pior foi uma sessão de tortura e verdascada da língua portuguesa. Primeiro procuraram dores na cluna, hoje alarmes de produtos de epermercado.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Dúvidas existenciais

Quarta-feira, trinta e um de Dezembro. Último dia do ano da graça de dois mil e oito. Algures pela tarde, depois de encaminhados os afazeres domésticos, sou parada entre os sonhos e a mousse de maracujá pelo pensamento que tinha deixado a macerar de véspera Tenho de escrever um post, tenho de deixar uma palavra, desejos de bom ano. Abeiro-me do computador, frenética, provavelmente ainda de avental. A escrita não exige farda ou indumentária, uma alma Gémeos vem equipada de origem para se fazer à vida assim os desafios, e confirmo as palavras, como se mentalmente fizesse a chamada, percorro os locais que me embalaram, garimpo mais um vez os vocábulos e eis-me parada perante a fotografia. Candelabro. Candelabro ou castiçal? Solicito ajuda Aquilo, aquilo que vimos em Copenhaga, é um candelabro? A resposta célere Candelabro? Candelabro é do tecto. Ora se candelabro é do tecto, só pode ser castiçal. Não me soa bem. Como a uma criança a quem puseram o nome errado, Bernardo em vez de João, Matilde em vez de Luísa, algo me soa mal, a dissonância evidente entre o objecto e a denominação. Os sonhos chamam-me da cozinha, urge o tempo e castiçal ficou. Postado o texto, aqui ficou a pairar até ter surgido o primeiro comentário de quem muito estimo, os votos que sei sinceros, mas, raio de mas, a frase final sem margem para dúvidas: E é de facto um bonito candelabro. E pronto, o que é isto comparado com a crise mundial, com a hecatombe anunciada, o armageddon iminente? Nada, naturalmente, mas a dúvida permanece: candelabro ou castiçal?