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quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Temos pena

O telemóvel estava aborrecido. Mas que me queres agora? perguntou ao Cartão Galp. O cartão Galp respondeu-lhe amargo Ora, que hei-de querer? Mas que maçada! disse o telemóvel Já não te mandei ir ter com o cartão Cortefiel? Já, respondeu assertivo o cartão Galp, Mas já que estás aí com coisas, diz-me, achas que compram mais roupa ou falam mais ao telemóvel? O telemóvel admitiu Sim, pronto, falam mais ao telemóvel! Então vês, tu é que tens mais pontos. O telemóvel estava enfurecido. O visor incendiou-se-lhe colérico. Porra! Mas já não te disse que não quero essa porcaria? Vá, vá, vai mas é ter com o cartão Fnac, há malta que compra livros que se desunha… Tás parvo?! disse-lhe o cartão Galp, Nem penses nisso! Preferem falar do que ler e tu és a prova disso. A malta fala em casa, fala na rua, fala na casa-de-banho, fala no cinema, fala no teatro, fala a comer, fala a dormir, fala a sonhar, fala na igreja, fala em casamentos, enterros e baptizados, fala, fala, fala. O cartão Galp estava visivelmente irritado, até lhe se doía a fita magnética e gritou ao telemóvel Tomara eu ser como tu, nem precisas de preocupar-te…. E vais mandar naquela malta toda. O telemóvel arrumou-lhe E quem te disse a ti que eu gosto de mandar? Nisto apareceu o cartão Corte Inglês E eu também tenho pontos… e tenho aqui uns de uns saldos de há três anos. E achas que isso te conta para alguma coisa, ó cartão da moda? Pois não sei, vou ver… Ah pois, vai lá ver, vai... disse-lhe o cartão Galp, o telemóvel retorquiu Esses pontos não contam nada, não vês que já passou tanto tempo. O cartão Corte Inglês não se ficou, Pois, olha, não sei, vou ver. O Tibúrcio apareceu de mansinho e disse Eu tenho pontos, eu tenho mais pontos do que vocês todos. Ó Tibúrcio, mas tu andaste a contar os pontos para quê? O Tibúrcio continuou E eu tenho pontos e eu sou grande e tenho mais pontos do que vocês. Os cartões entreolharam-se, entretanto apareceu o cartão Fnac, que confirmou ter alguns pontos, e o Tibúrcio continuou Eu, eu é que tenho pontos. Enquanto os cartões assumiam os seus lugares, o Tibúrcio insistia Eu é que sou bom e eu é que tenho pontos e eu tenho muitos pontos. Tibúrcio, tu não tens pontos, tu não vês que não foste chamado? O Tibúrcio continuou Mas eu tenho pontos, eu tenho mais pontos do que vocês e eu é que sou bom e é de mim que gostam. O telemóvel irritou-se com o raio dos pontos Ó Tibúrcio, vê se entendes, tu não concorres, logo tu não tens pontos. Temos pena. Temos muita pena, Tibúrcio. Que pena que nós temos.

7 comentários:

  1. E não apareceu nesta história nenhum cartão Zara ou Mango? Muito hispânica essa crônica de consumo...

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  2. Aventino, esta crónica é mais sobre a progressão dos professores. Agora para se progredir na carreira são precisos pontos e os pontos são somados de acordo com a quantidade de cargos que os professores desempenharam e as habilitações académicas. O pior de tudo foi o ambiente que se instalou na(s) escola(s) e a atitude de alguns de nós que, não podendo concorrer, andaram a somar pontos para mostrar aos outros, como o Tibúcio ;-)

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  3. Porqu� minhas senhoras?Porqu�?

    http://absolutamenteninguem.blogspot.com/2007/08/as-damas-6.html

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  4. Mas tendo o Tibúrcio alcançado uma situação penosa, que "papalagui" também considera "lamentável", porque "carrega" tanto (já nao é a primeira vez aqui no blogue) no Tibúrcio?
    Ele é daqueles que merece a injustiça (a crer nas suas palavras) que desabou sobre todos?
    É mesmo "foleiro" esse Tibúrcio, nao?
    Caso seja "um ponto" esse Tibúrcio, solicito que edite mais "alegorias" onde inclua esse personagem idílico!

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  5. Injustiça ninguém merece senão não seria injustiça, mas o Tibúrcio é como é como é, coitado, põe-se bastante em bicos de pés e não pensaria duas vezes se tivesse que pisar alguém. Quanto a voltar a falar no Tibúrcio, não sei, acho que ele serviu o que eu queria ilustrar, agora é deixá-lo lá no canto a contar os pontos :-D

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  6. Para quem não percebe nada desse mundo dos professores, como eu, esta crónica tem a enorme vantagem de ser uma alegoria abrangente e aplicar-se a mais uns tantos outrso mundos, ou ao mundo em geral. E isso, cara Papalagui, só consegue quem escreve muito bem. Parabéns.

    Como já deve ter reparado, estou a ler o blog de cima para baixo. Os seus textos são muito bons, infelizmente não tenho tempo agora para muito mais. Mas volto.

    Ana

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  7. Obrigada, Ana.
    Concordo que há características que infelizmente são transversais a todas as profissões :-)

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