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quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Texto procura-se

O dia para trás das costas finalmente. O caminho tranquilo na direcção do ocaso laranja. Uma tarja de mar inesperada no equinócio de Inverno iminente, o ziguezaguear pelas ruas da aldeia e, de repente, eis que me salta um texto ao caminho, pequeno é certo, as primeiras três palavras apenas, mas era um texto. Reconheci-o pela forma inesperada com que me surpreendeu. Sem aviso. Os textos não primam pela deferência. Aparecem sem se anunciar e saltam-me ao caminho em alturas pouco oportunas. Os textos fazem-me isto muitas vezes. Depois de passar as hortênsias do lado esquerdo, recompus a frase inicial, juntei-lhe mais uma palavra, agora com vírgulas a separar e, antes de chegar aos penachos do lado direito, já lhe tinha acrescentado um outro substantivo, características, talvez ou particularidades. Pisca para a esquerda, o ocaso alaranjado, viro à esquerda. Quando passei o chorão do lado direito ainda o sentia preso na imaginação, bem agarrado, como quando se segura um pássaro nas mãos, as asas em linha recta com o corpo distendido ao ritmo da respiração. Estava vivo, portanto. Chego a casa. Abandono-me ao ritmo que largo os livros em cima da mesa. Um suspiro profundo a recompor-me do dia e o texto soltou-se-me à primeira distracção. Ainda tentei agarrá-lo mas quando lhe deitei mão tinha-se libertado pela porta da sala entreaberta contra o crepúsculo lá fora. E foi assim que fiquei sem ele, esse tal texto que tinha na mão e em mim, esse que leriam agora caso não fosse tão rebelde e não me tivesse fintado ao pôr-do-sol.

7 comentários:

  1. Que pena! Fico a imaginar como seria esse texto tão arisco...

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  2. Nem imagina as voltas que já dei à cabeça, mas não consigo recuperá-lo :(
    Beijos

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  3. Lindo!

    ... alguns textos são mesmo assim, ariscos e esquivos!



    Beijinho,
    Sinapse

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  4. Leonor, os teus textos são sempre bons. Mas este, que te fugiu (e que veio tão convenientemente aqui parar ao blog) raia a genialidade.

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  5. Olha que este vale de certeza pelo perdido :)

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  6. É exactamente assim, e quem escreve sabe isso muito bem. O raio das palavras têm vida própria e juntam-se (ou separam-se) como e quando lhes dá na real gana. Ou as apanhamos no ar, assim que nos piscam o olho, ou elas castigam-nos pelo aparente desinteresse e desaparecem, a gozar com a nossa cara.
    Mas este relato vale bem o texto que fugiu.
    ;)

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