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quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

De manhã, o choro

Chorar de manhã é pior do que chorar à noite. O choro da noite liberta o azedume do dia passado, a negritude da alma encontra o par perfeito na escuridão que a noite oferece, o corpo embalado na almofada, curvado sobre a cama, recolhido sobre si mesmo na reminiscência do que se foi. E depois o sono embalado no choro, uma noite mais, o dia que amanhece lavado nas lágrimas da noite, limpo, contudo, os olhos limpídos para a luz do dia, o corpo aliviado da inquietude destilada nas gotículas salgadas. O choro da manhã é violento e tumultuoso. Um aperto no coração. Um torniquete na alma. O corpo acordado subitamente aos tropeções pelo choro, a alma não se deixando espreguiçar, a luz do dia turvada pelas lágrimas e o rosto disforme à luz do dia é ainda mais disforme, desproporcionado com a claridade dos dias luminosos. A minha aluna chora de manhã: o corpo esguio e magro tolhido com as lágrimas matinais, os olhos turvos de pálpebras inchadas, o rosto ainda amassado da almofada, subitamente entumescido, ruborizado por vezes. A minha aluna chora pela manhã, enquanto os adolescentes ensonados oferecem sorrisos envergonhados, libertando-se devagar ao ritmo da chegada da manhã, progressivamente mais soltos, livres, felizes, despreocupados, prontos para acolher o dia. Enquanto isso ela chora, o rosto agora mais pálido, a cabeça encostada na parede, vencido pelo tormento das lágrimas indesejadas e intrometidas. Tanto cansaço pela manhã que se queria bela e tranquila.

2 comentários:

  1. "eu choro tanto, escondo e não digo, viro farrapo, tento o suicídio com caco de telha, com caco de vidro"
    Luiz Melodia

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