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domingo, 28 de dezembro de 2008

Crónica de uma mulher achacada

Uma mulher é saudável, é saudável ainda antes de ser mulher. Desconhecem-se-lhe maleitas de monta maior, bexigas, que bom que era quando se podia dizer bexigas em vez do sofisticado varicela, papeira e outras coisas de somenos, duas urticárias, litíase, bem mais bonito do que pedra nos rins, e que lhe deu alguns dissabores, acima de tudo, muitas dores, tensão baixa, hipotensão, e nada de mais. De repente vê-se marmanja, quatro décadas volvidas, quatro décadas e uns anos, e eis que lhe batem à porta, em sequências de quatro, faringites. Dirige-se ao Hospital, não é um hospital, mas substitui-o nesta espécie de achaques, e sai de lá com a receita para uma zaragatoa, perdão, exsudado, reparem como se modifica o linguajar, as expressões populares a serem teimosamente substituídas pelos equivalentes em linguagem médica, dois antibióticos, credo, valha-me sei lá quem, e umas pastilhas homeopáticas para os males da faringe. Gostei deste pequeno apontamento alternativo do médico de serviço. Nada como acalmar as hostes com uma mezinha livre de químicos.
E aqui me quedo perplexa, assustada com o que será de mim se começar a ter estas moléstias. Se fosse em aulas, como uma das vezes anteriores, lá estaria agarrada a livros, parindo fichas e mais fichas para as aulas de substituição, nos dias que correm há que entreter os alunos sempre, mesmo que se esteja em casa comprovadamente doente, sabe-se lá como iriam reagir à loucura de terem uma hora livre, mas assim será se for em tempo de aulas, isto e ver-me excluída do meu Excelente, o meu rico e querido excelente. Uma maçada e um problema. E não sendo em tempo de aulas, o que me preocupa com estas idas frequentes ao SAP é a crescente intimidade que passarei a travar com o local, a conhecer as manhas à máquina de café, é sempre em frente a ela que me sento, a passear-me lápis em riste para corrigir as imperfeições do português, ai que raiva, a raiva que me fazem, passar a ser tu cá, tu lá com as funcionárias Então, o que a traz por cá? Ai sabe lá, estou tão malzinha, tão apoquentada, é importante usar apoquentada, aleijada, álérgia, sinósite, tirar uma chapa e ir à faca, também.
Este estreitamento de relações alastrar-se-á aos demais utentes, imagino-me até a lutar com eles por causa do meu lugar em frente à máquina de café, tudo menos aquele lugarzinho em frente à máquina do café, ou a trocar impressões sobre os médicos, que sabemos sofrem do mesmo mal que os professores, os pacientes sabem sempre muito, toda a opinião pública sabe sempre muito no caso dos professores, trolhas, mulheres-a-dias, cabeleireiras e executivos. Por último, receio a pasta de vocabulário médico, medicinal e farmacêutico que terei de abrir na minha memória, não será o antibiótico, passará a ser o Clavoxil, o Klacid, há que ter propriedade de linguagem, excluo o Brufen porque passámos a ser unha com carne. Virá tudo acompanhado com princípios activos, dosagens, tomas e efeitos secundários. Rezem para que recupere desta debilidade faríngica, ai de mim, estou destroçada, se não verão este espaço transformado em muro das lamentações.

2 comentários:

  1. Ó senhora acachada, não quer ficar um bocadinho (só um bocadinho) de tempo padecendo dessa malvada faringe? (riso contido e egoísta).
    É que esta crónica faz do muro das lamentações um muro prazeiroso... ai, que maldade a minha, Leonor...
    As melhoras. :-)

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  2. Ó Mike, não me deseje tal! Eu prometo continuar a escrever.
    Beijinho e obrigada :-)

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