Páginas

segunda-feira, 16 de abril de 2012

O fim da inocência


Segunda-feira. Primeiro tempo da manhã. A professora armada em D. Quixote leva uma resma de livros para os seus meninos. Escolhidos e selecionados de acordo com a especificidade das turmas, um guião para os ‘analisar’, questões, sugestões de abordagem, indicações para como lidar com aquele monte de folhas com capa, e passa-os para a mão. Um a cada grupo, escolhido por eles. A professora esfalfa-se em correrias entre os seus meninos. Parecem entusiasmados. A professora fica feliz. Muito feliz. Valeu a pena. Viram-nos. Reviram-nos. Abrem-nos. Se fossem feitos à imagem e semelhança da professora ter-lhes-iam até metido o nariz para aspirar a fragrância das páginas. Mas não. Isso não. Têm perguntas, querem saber coisas. Perguntam Estes livros são da biblioteca? Não, são meus mesmo, respondo. Recebo de volta uma cara de desdém e incredulidade Tantos professores logo me havia de calhar esta com a mania da leitura. Tanta inutilidade nestes papéis brochados de capas coloridas parece pensar, sem o brochado evidentemente, e sei que pensa, não é muito difícil ler rostos adolescentes e este rosto olha-me muitas vezes em ponto de interrogação. Um quarto de hora depois uma voz ergue-se acompanhada de olhar vivo Stora, isto é para nota? Que bem que estava tudo a correr. Nos dias que correm nada se faz pelo prazer de fazer, aprender, ir mais longe, tem de haver uma contrapartida, um número qualquer sempre inflacionado apenas porque se lá esteve. Só faltou a máquina de calcular em punho, nesta altura uma extensão natural de qualquer aluno obcecado com números, não com aprendizagens. Alunos ardilosos sempre à espera de uma aberta para fintar o professor. E são alguns, ó se são. E cansam-me. O calculismo cansa-me. A falta de autenticidade destrói-me. As aulas não. Não tanto. Infinitamente menos.

11 comentários:

  1. Leonor...não posso deixar de comentar..tenho uma sobrinha com 17 anos e eu com a idade dela(e ainda hoje)devorava livros...um dia destes disse.me:"Tia, gostava de ver o filme Diário De Anne Frank", ao que lhe respondi, o livro é muito mais interessante...Resposta... "Ah pois, mas ler dá muito trabalho..."...enfim....

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Comente que eu gosto muito de uma boa conversa :) Há miúdos que lêem muito apesar do que se diz mas tudo o que dá trabalho é muito 'trabalhoso', tem toda a razão ;-)
      O que me anda a incomodar é que alguns alunos são obcecados com as notas e cobram isso permanentemente.
      Beijinho

      Eliminar
    2. ...mas agora TUDO são números, racios, percentagens!!!
      E é tudo tão absurdo!!!
      São os objectivos imediatos (normalmente a atingir até 31 de dezembro de cada ano...)que têm de ser atingidos, independentemente do quão absurdo possam ser ou das absurdas consequências futuras.
      É o número cada vez maior de objectos (telemoveis, carros, etc)que é posto à venda e logo pouco depois recolhidos todos os exemplares, por se constatar terem erro de segurança ou de funcionamento (ultrapassa-se a fase de testes para atingir objectivo de cortar despesas, encurtar prazos...)
      Muitas vezes já nem o lazer é prazer, mas competição (e números!)

      ... e tudo isto é tão triste :-(

      Eliminar
    3. Completa,ente absurdo e cansativo! Depois desta aula a conversa voltou e acho que me entenderam. Pelo menos concordaram ;-)
      Beijinhos

      Eliminar
  2. É isso tudo. Sempre a pensar na nota, não fazem nada para aprender, por aprender apenas. Estive doente e na aula de substituição deixei uma ficha. O colega recolheu e eu depois vi, entreguei e logo a pergunta: "Pôs nota?" "Mas porque carga de água iria pôr nota? Foi uma aula de substituição!" Ainda por cima tinham estado a usar a internet para fazerem a parte escrita. Brrrr! Calculismo, sim, tira-me tudo. Fugir.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. As melhoras, Fátima! É obsessivo mas mais nuns cursos do que noutros. Eu sei que eles precisam de médias altíssimas mas mais é de mais.

      Eliminar
  3. Eu já perdi o pudor e dou enormes lições de moral aos meus sobre o valor do conhecimento vs nota do teste e a fúria que me dá eles escolherem ser medíocres quando podem ser muito bons. Repito vezes sem conta que o que interessa é aprender... normalmente, no fim do semestre dão-me razão, mas a luta é dura e nunca pára, porque à primeira oportunidade lá vem a "calculadora"

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Pois,essa é outra questão. No Secundário o perfil dos alunos é muito diferente de curso para curso. Muito diferente mesmo. Os de Ciências e Tecnologias só pensam em notas, a competição é terrível e cobram quase tudo de ti, se não os puseres no seu lugar. Evidentemente é o que faço. Os de Línguas e Humanidades são mais descontraídos porque as notas de ingresso no Superior são muito mais baixas. Quer queiramos quer não isso influencia de forma notória a atitude dos alunos. Pode parecer 'determinismo' mas é empiricamente observável. Depois de uns sermões, vão ao lugar, é um facto, mas é muito irritante às vezes.

      Eliminar
    2. e isso é quando vão ao lugar... :-)

      é bastante triste, e revoltante, esta realidade que nos mata.

      nada como ir insistindo... mesmo ao fim de 30 anos disto, ainda nao desisti :/

      Eliminar
    3. Desistir nunca! :)
      Tenho a grande sorte de ser professora numa escola tranquila, onde os alunos ouvem os professores, alguns, pelo menos :)

      Eliminar
  4. Eu tinha uma professora de inglês que costumava levar livros para as nossas aulas e era bastante engraçado, cheguei a trazer um ou outro.. É bom ter professores assim que nos ajudam a alargar os horizontes ;)

    beijinhos, Joana

    ResponderEliminar

Comments are welcome :-)