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segunda-feira, 9 de janeiro de 2006

Van Gogh e eu

Na verdade começo a acreditar que entre mim e Van Gogh existe uma ligação de fascínio, algo hipnótica até, muito embora e a bem da minha sanidade mental, não seja recíproca.
A primeira vez que me causou uma situação embaraçosa foi como aqui foi contado, mas, enfim, era muito jovem então e hoje ao retornar ao local verifiquei que o quadro se encontrava já protegido com um espesso vidro. Não sei se não terão à Neue Pinakothek chegado rumores da minha visita. Sei que foi lá que concluí, caso não o soubera antes, que não se deve perder oportunidade alguma e que este meu indicador direito, além de me ter escrito uma tese inteirinha de mestrado com cento e sessenta páginas, tocou também a pincelada do grande mestre do pós-impressionismo, façanha que muito dificilmente se repetirá.
Estávamos então em Paris, num dos mais belos e luminosos museus que conheço. Dessa feita, tal como na outra éramos muitos, mas, ao contrário da outra e em virtude da passagem do tempo, os papéis invertiam-se e eu já não era aluna, mas sim professora. Relembro com muito carinho essa viagem e Paris desses dias é-me uma cidade querida e doce. Comigo tinha a P., minha amiga e colega, agora também afilhada de casamento, presente em muitos momentos bons e maus da minha vida, tal como devem ser os amigos. Presente também era o LR, meu querido colega, agora presente apenas na memória e relembrado sempre com saudade. A vida pode a espaços sorrir-nos e acenar-nos rapioqueira e ligeira, tal como a meses e anos inteiros pode apenas mostrar-nos uma carranca sisuda sem esboçar o menor dos sorrisos e apresentar-se como um Inverno cinzento e frio sem fim à vista.
Tínhamos então percorrido uma distância enorme a pé, contámos sete pontes e finalmente chegámos ao Musée d´Orsay . O objectivo era acima de tudo a ala dos impressionistas e pós-impressionistas. Confesso que fiquei maravilhada pelo museu, a luminosidade do átrio, as rosáceas do tecto e o pensamento que de ali haviam partido e ali haviam chegado milhares de pessoas outrora. Agrada-me pensar um museu como uma viagem. Quando chegamos já não somos quem partiu.
Lembro-me bem que o LR se deteve junto da Igreja de Auvers do nosso amigo Vincent e que eu fiquei sozinha diante do Quarto de Arles e que estava sozinha à altura deste episódio. Saquei da máquina fotográfica, analógica pois claro, e retirando-lhe cuidadosamente o flash, fotografei o dito quarto. Tal como acontecera antes os redemoinhos da tinta e a intensidade da cor impeliam-me para dentro da pintura. A seguir, não muito longe, julgo, estava um auto-retrato e aí claro, o confronto foi directo com o olhar inquieto, a expressão perturbada do próprio pintor, ele tal como se via a si próprio, ele espelho de si mesmo. E sem mais pensar, saquei da máquina de novo e de novo premi o botão, só que desta vez uma luz esbranquiçada e brilhante invadiu a sala, estremunhando os demais visitantes da sua fruição silenciosa. Alguém ao meu lado olhou-me indignado e refilou-me severamente That damages the paintings, you know! Eu lá saber sabia, mas esquecera-me de retirar o flash da máquina e sem mais retirei-me eu mesma com o rabinho entre as pernas. O homem era alto e parecia que crescia para mim na imensidão do museu.
A versão da P. não coincide. De longe presenciava a conversa e concluiu, usando para tal o conhecimento aprofundado do meu temperamento Olha, lá está ela a dar uma descasca ao homem por causa do flash… Nada mais errado. O homem dava-me uma descasca a mim e o Vincent permanecia impassível lá na sua moldura, olhando-me de revés. Recriminando-me, em suma.
Como já fui ao Museu Van Gogh , já vi a Starry Night no MoMA, não vou arriscar mais Van Goghs, não vá o diabo tecê-las e dar por mim abandonada num campo de trigo com corvos.

6 comentários:

  1. Sabes que o Museu d'Orsay é o meu museu favorito? Quando entrei a primeira vez, fiquei extasiada com tudo, fiquei empanturrada de sensações, de luminosidade, de beleza....não sei porquê sinto-me em casa lá. Acho que ir a Paris e não ir ao Museu de Orsay mais vale ficar em casa!
    Mas, voltando ao teu Van Gogh, outra das paixões que partilhamos, vou ver se encontro algo para te mandar em que possas tocar e mexer à vontade ;-)))) embora não sendo o original dá para matar saudades!
    Bjnos, linda

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  2. O L., realmente... e o autoretrato ficou com os olhos vermelhos ou tinhas a funcao activada;))

    Como ja te disse gosto muito de Van Gogh, mas nunca lhe disparei o flash nos olhos... o que tera ficado o Sr (o proprio autoretratado, nao o grande embirrante!) a pensar de ti??

    Supoes que veres-te transportada para um campo de trigo com corvos seria assim tao mau?? Isso e que era uma aventura, especialmente se la encontrasses o Vincent a pintar o quadro.

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  3. Já viste o que faz uma saloia quando sai fora de portas? A partir de agora o mias longe que vou para evitar humilhações é à Carapinheira que é aqui a dois km. ;)

    O problema não é o campo de trigo, são mais os corvos...

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  4. lol!
    Ah, ja estou a perceber...os passaros, os passaros!!

    Nao temas...aventura-te ate ao Lizandro que sempre ves o mar;))

    Beijos grandes

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  5. Eu cá acho é que devias emoldurar esse dedo precioso.... ;o)

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