Para uma leiga como eu, o mundo do futebol é um mundo estranho, muito estranho, tão estranho que se torna difícil decifrá-lo. É que não é só o facto de vinte e dois homens correrem como desalmados atrás duma bola, com mais um ou dois ou três a fiscalizar o seu comportamento, não vão fazer traquinices, não é só o mistério do balneário que freudianamente imagino coroado de homens em trajes menores, bem menores, benzós deus, com os corpinhos atléticos e esculturais, ainda luzidios da prática do desporto viril e que contraditoriamente com o faro de perdigueira com que vim equipada de origem me causa até vómitos só de pressentir os odores acres a machos exaustos. Não é só o futebolês, essa linguagem única, cheia de prognósticos depois do jogo ou quadrados que se fazem com três. O que me inquieta neste desporto que há quem diga rei, não é apenas isso, porque como se sabe sou uma republicana empedernida e sou contra cargos que não sejam eleitos por essa massa desalmada chamada povo.
O mundo estranho do futebol caracteriza-se por linhas de orientação onde a palavra pode será sancionada, cortada, calada, proibida. Vejamos Deco. Deco não jogava na posição costumeira, Deco não estava habituado, Deco diz que não estava habituado com aquele seu ar doce de cachorrinho abandonado. Ora se isto fosse num mundo normal não havia nada de mal, o rapaz nunca tinha jogado naquela posição e ao afirmá-lo reportou-se apenas a uma evidência facilmente comprovável, sim, eu sei que reina por aqui uma redundância, mas apeteceu-me. Errado. Deco teve de retratar-se como se tivesse caluniado alguém o Almighty Queiroz, esse Obi Wan Kenobi do futebol luso, o Gandalf dos esféricos lusitanos. Outro exemplo: Hugo Almeida. O jovem e viril rapaz diz que não estava esgotado quando o Queiroz Almighty o substituiu. Contudo, o contraditório surgiu e Queiroz, o Grande, afirmou “Quando eu digo que um jogador está cansado, é porque está cansado.” Livrai-vos pois rapazes de afirmações análogas. Deve ter sido o que aconteceu com Nani “Quando eu digo que tens uma lesão na clavícula, tens uma lesão na clavícula” e por aí fora. Preocupante. Muito preocupante. Imagine-se o que poderá acontecer com todos estes rapazes à mercê das vontades queirozianas e restringidos a duas palavritas apenas Heil Queiroz!
E sendo Queiroz quem é, o Timoneiro da Redondinha, cabem-lhe as decisões técnico-tácticas, reparem nesta propriedade de linguagem, portanto se põe os rapazes a jogar onde não devem, tira os que estão a render e põe os coxos, quando a coisa não corre bem, de quem é a responsabilidade? Pois, desse mesmo. Todos sabem mas ai de quem ousar atravessar essa tormenta da verbalização do óbvio. Coube desta feita ao nosso rapagão que quando questionado por uma justificação para a faena letal dos nuestros hermanos respondeu “Perguntem ao Carlos Queiroz”. Ai dele! Ai de todos nós! Até esse rapaz valoroso que vende pequenos-almoços por insignificantes quantias, o tal que algures em 2002 terá ameaçado sair da selecção do seu país porque tinha um nome a defender, veio apunhalar o derriço da mulherio, a mascote que transpira testosterona e põe os estrogénios em desvairo. Se o futebol não é um mundo estranho, não sei o que é, mas democrático não é com toda a certeza.
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