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terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Ó Procópio!

No tempo em que as auxiliares de educação educativa eram contínuas, os fisioterapeutas eram endireitas, o Procópio era o endireita que vivia perto do cruzamento, onde floresce uma rotunda há uma década bem medida. A avaliar pela quantidade de entrevados, paralíticos e de ambulâncias que paravam à porta em tempo de chuva e de sol e da gente diversa que se apinhava logo de madrugada pare se prolongar para lá do ocaso, estimava-se que o Procópio era popular e competente, mestre nessa arte obscura de levar ao lugar o que se julga desconjuntado e desengonçado pelo engano do corpo: um passo em falso, os bicos de papagaio e as cruzes, um mau jeito ou uma queda. Era voz corrente mediante as ossadas retorcidas, as linhas trocadas, os pulsos abertos e outros achaques que só o Procópio e o Procópio apenas teria solução para o caso. E tinha. Como tudo na vida, o Procópio foi-se, cansado de tanto endireitar. E lembrei-me eu do Procópio quando um destes dias avistei o Tibúrcio em plena gana, gana furiosa, batendo convictamente com a mão direita sobre o ombro esquerdo e a mão esquerda sobre o ombro direito. Ah Tibúrcio. Ah ganda Tibúrcio. Depois da pancada, elevava um pouco a mão, como se agarrasse algo. Que seria aquilo? Caramba. O Tibúrcio colore-me os dias com vários episódios rocambolescos de desmedidas Vivas ao Eu, Viva! Viva Eu! Vivas ao eu Tibúrcio, já se sabe, mas este foi um inédito. Em sua volta alguns curiosos. O Tibúrcio, sem cessar, acompanhava o ritual com a verborreia de sempre e, para este grande mal que o aflige, seria inútil o Procópio endireita de entrevados dos ossos na casa minúscula ali ao pé do cruzamento. Era o secretário de estado mais o ministro, dizia o Tibúrcio que lhe haviam ligado aflitos, para ele, o Tibúrcio, grande e magnífico, excelente senhor doutor professor mestre mais esperto e inteligente que os demais mortais que escrevem eu com letra minúscula, os pobres a quem ministros e secretários de estado só ligam em época eleitoral, jamais telefonam. Pena que se foi o Procópio, o único capaz de curar a contusão nos ombros do Tibúrcio de tanto puxar os galões.

episódios anteriores

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Afinal havia outro

O Tibúrcio estava cabisbaixo. Deambulou entre uma e outra cadeira. Observei-o pelo canto do olho sentado numa cadeira de lado para a mesa, o rosto apoiado nas mãos. Mau, passa-se algo com o grande, o maior, o nosso Tibúrcio. Perguntar-lhe estava fora de questão, não fosse o Tibúrcio arremessar-me com uma das suas doutas tiradas ou questionar a legitimidade da abordagem Que queres tu? que como se sabe o Tibúrcio tem a cabeça toda em escadinha: ele no topo, grande como Moisés com as tábuas no Monte Sinai e o povo humilde, rasteiro, bem cá em baixo, dando vivas Quem é grande, quem é? O Tibúrcio regressou entretanto para o computador, resmungou algo entre dentes, maldisse a ministra da educação, rosnou ferozmente contra os pontos E eu? Eu? Grande. Douto. Admirado. Competente. Ai que se nos vai o Tibúrcio! Visivelmente agastado. Abatido. Deprimido. Pobre Tibúrcio. Que mal lhe afligiria agora? Cruzei-me com ele na escada mais tarde. Murmurou um cumprimento sumido e mal engendrado e, depois pelo queixume crescente, o alarido das gentes na sala de professores, percebi então o mal do Tibúrcio. A verborreia de sempre. Ah e tal, eu com tantos créditos e pontos e elogios. Uma palavra solta, uma frase completa da qual sobressaia O Melhor Professor. Era injusto bradava. Afinal não tinha sido ele. O Tibúrcio, o grande Tibúrcio. Uma injustiça, é o que é.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Um mundo inteiro

O Tibúrcio esteve dois computadores ao meu lado com três colegas de permeio. O Tibúrcio estava tiburciando Ah e tal, trabalho aqui e ali e acolá, e lá e coiso e isto e aquilo, sou o maior, e lá dizem, fazem e acontecem. A parceira do Tibúrcio no computador a tudo lhe dizia que sim, não se deixa adivinhar se por cortesia ou convicção. O Tibúrcio continuava ufano, embriagado com a fama que diz ter, ébrio de si mesmo em crescendo à medida que as palavras ecoavam e se elevavam sobre o ruído do teclado. O Tibúrcio, que ficou para trás pela sua própria mão, alardeava a injustiça suprema obrada sobre a sua magnânima, excelsa, excelente, competente, fantástica, estupenda, admirável pessoa e, foi nisto, que de repente se salta com os pontos. Eu, eu é que tinha mais pontos do que todos na escola, mas eu sou injustiçado, vilipendiado, ofendido. Pontos? Mas que pontos Tibúrcio? Não há mais pontos. Pobre Tibúrcio, acorrentado ao passado, embriagado de si mesmo. Enquanto isso há trabalho de sapa para fazer, mas a esse o Tibúrcio vira a cara Que é lá isso? Ah! Eu? Eu, o grande, o bom, o melhor de todos fazer esse trabalheco? Onde já se viu? Como se atrevem? Não sabem que eu sou o Tibúrcio? Fora o trabalho um espectáculo onde todos observassem o Tibúrcio e lá estaria a ele, olhando-se onanista, afagando o ego como quem faz festas a um gato, voraz no amor desmedido que nutre pela sua grandiosa pessoa, vociferando de forma a que todos, todos o ouvissem, todos sem excepção. E, entre mim e o Tibúrcio, não há um, dois, três ou quatro colegas de permeio. Um mundo inteiro é pouco.

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Temos pena

O telemóvel estava aborrecido. Mas que me queres agora? perguntou ao Cartão Galp. O cartão Galp respondeu-lhe amargo Ora, que hei-de querer? Mas que maçada! disse o telemóvel Já não te mandei ir ter com o cartão Cortefiel? Já, respondeu assertivo o cartão Galp, Mas já que estás aí com coisas, diz-me, achas que compram mais roupa ou falam mais ao telemóvel? O telemóvel admitiu Sim, pronto, falam mais ao telemóvel! Então vês, tu é que tens mais pontos. O telemóvel estava enfurecido. O visor incendiou-se-lhe colérico. Porra! Mas já não te disse que não quero essa porcaria? Vá, vá, vai mas é ter com o cartão Fnac, há malta que compra livros que se desunha… Tás parvo?! disse-lhe o cartão Galp, Nem penses nisso! Preferem falar do que ler e tu és a prova disso. A malta fala em casa, fala na rua, fala na casa-de-banho, fala no cinema, fala no teatro, fala a comer, fala a dormir, fala a sonhar, fala na igreja, fala em casamentos, enterros e baptizados, fala, fala, fala. O cartão Galp estava visivelmente irritado, até lhe se doía a fita magnética e gritou ao telemóvel Tomara eu ser como tu, nem precisas de preocupar-te…. E vais mandar naquela malta toda. O telemóvel arrumou-lhe E quem te disse a ti que eu gosto de mandar? Nisto apareceu o cartão Corte Inglês E eu também tenho pontos… e tenho aqui uns de uns saldos de há três anos. E achas que isso te conta para alguma coisa, ó cartão da moda? Pois não sei, vou ver… Ah pois, vai lá ver, vai... disse-lhe o cartão Galp, o telemóvel retorquiu Esses pontos não contam nada, não vês que já passou tanto tempo. O cartão Corte Inglês não se ficou, Pois, olha, não sei, vou ver. O Tibúrcio apareceu de mansinho e disse Eu tenho pontos, eu tenho mais pontos do que vocês todos. Ó Tibúrcio, mas tu andaste a contar os pontos para quê? O Tibúrcio continuou E eu tenho pontos e eu sou grande e tenho mais pontos do que vocês. Os cartões entreolharam-se, entretanto apareceu o cartão Fnac, que confirmou ter alguns pontos, e o Tibúrcio continuou Eu, eu é que tenho pontos. Enquanto os cartões assumiam os seus lugares, o Tibúrcio insistia Eu é que sou bom e eu é que tenho pontos e eu tenho muitos pontos. Tibúrcio, tu não tens pontos, tu não vês que não foste chamado? O Tibúrcio continuou Mas eu tenho pontos, eu tenho mais pontos do que vocês e eu é que sou bom e é de mim que gostam. O telemóvel irritou-se com o raio dos pontos Ó Tibúrcio, vê se entendes, tu não concorres, logo tu não tens pontos. Temos pena. Temos muita pena, Tibúrcio. Que pena que nós temos.

segunda-feira, 18 de junho de 2007

O Tibúrcio

O Tibúrcio é um professor responsável. O Tibúrcio cumpre prazos. O Tibúrcio é pontual. O Tibúrcio é recto e corta a direito. O Tibúrcio cumpre programas. O Tibúrcio aparentemente não faz mal a ninguém. O Tibúrcio tem alguns problemas. O Tibúrcio gosta de poleiro. O Tibúrcio gosta de lamber umas quantas botas. O Tibúrcio, debaixo do seu ar de cordeiro obediente, é um ditador. O Tibúrcio gosta de poder, gosta de se sentir grande e para se sentir grande tem de ter coisas, tem de ser coisas e, lambendo algumas botas e esboçando os sorrisos certos nos momentos certos, foi sendo coisas. Essas coisas são agora contabilizadas em pontos. O Tibúrcio tem pontos, portanto, portanto o Tibúrcio é grande e importante. Mas o Tibúrcio, além de ser um déspota na pele de cordeiro, tem outro problema. O problema do Tibúrcio é que, por ele gostar de poder e por ser autoritário, tem alguns problemas com os alunos. Por exemplo, os alunos não o cumprimentam nos corredores da escola, os alunos do Tibúrcio não querem ter mais o Tibúrcio como professor se pudessem escolher, porque o Tibúrcio não se sorri para eles, não chega perto deles, na verdade, parece nem querer saber deles, Xô que me podem pegar coisas, Xô gentalha pequena, Quem é grande, quem é? Quem é grande e bom? e este é o problema do Tibúrcio, mas o Tibúrcio, que é professor, não quer saber disto para nada, porque o Tibúrcio é grande e quer ser director, coordenador, director e coordenador e coordenador e director e administrador e orientador e coordenador e director e gestor e director e presidente porque ser só professor é muito pouco.