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quarta-feira, 27 de agosto de 2008

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Pelo cachaço como os gatos

As manhãs de estio convidam à indolência de distribuir o tempo ao ritmo da vontade de cada um. Levantei-me cedo para os meus próprios padrões em tempo de nada fazer, pus pés ao caminho nas havaianas de sempre, e, rua acima, fui até ao centro da aldeia tomar um café. A manhã pode ser o mais energizante dos tónicos. De um lado da estrada a declaração de amor que se mantém de há um tempo a esta parte Amo-te gorduchinha, seria para mim?, do outro as flores que crescem sem adubo nem pesticidas, melhores do que as holandesas, dizem-me, o pé mais alto e firme, uma casa que foi restaurada, o sol que entretanto se faz sentir nas costas e a tranquilidade do périplo, casas e flores de um lado e de outro. Chego finalmente ao centro, entro no café e digo ao que venho, atento na empregada que me olha de frente e eis que me salta um texto de trás do balcão, pareceu-me escondido no bolso do avental da empregada, exactamente no golo derradeiro do café. Procuro o dinheiro, largo-o no balcão, deito um olhar último à empregada, despeço-me e sinto as palavras a encarreirar-se. Uma frase inteirinha Ah malandro, logo agora. Saio do café, olho a igreja em frente e, antes que o texto me fuja, senti algumas palavras a espernear assim que entrei pela rua apertada. Os acentos estrebuchavam que nem coelhos amarrados pelos pés, as vírgulas impacientavam-se em corropios, os pontos de exclamação davam encontrões uns aos outros. Larguei-os logo, são os mais dispensáveis e estavam a provocar grande convulsão no texto. Agarrei-o com vigor pelo cachaço como as gatas fazem às crias, firme e seguro, sem amarrotar as expressões e amachucar os eufemismos. Não me escapas. Rua abaixo, casas e flores de um lado e de outro, o sol a bater-me na cara. Agarrei-o como pude e o texto veio conformado mas impaciente, as vírgulas irrequietas, as metáforas ansiosas e os adjectivos aflitos.
Abro a porta apressada, estava mesmo mesmo a fugir-me, os textos fogem-me algumas vezes. Arrebanho a primeira folha em branco, um lápis ali por perto e solto finalmente as palavras, vírgulas, adjectivos, metáforas e eufemismos. Apanhei-te, malandro.

sábado, 23 de agosto de 2008

Momento sitemeter (11)

Directamente da Austrália alguém quis saber de que tratava aqui o modestísssimo blogue. Pois bem, socorreu-se dos serviços de tradução automática do Google e ter-se-á deparado com um texto da mais alta qualidade, a tradução deste. Só conheço duas pessoas que seriam capaz de semelhante proeza. São eles José da Fonseca e Pedro Carolino, autores dessa obra prima English as she is spoke. Entretanto, deliciem-se:

You fat cow

We no longer sufficient in the povão host on the beach, the children playing the ball up in a peaceful citizen, the martins, guilhermes, marias and daisies, the vanessas and rubens asneiredo by mouth to drop out, the paizinhos powerless before the personality their strong rebentinhos, the berros and threats, the verborreia and vidinha escarrapachadas ahead of all, mobile phones tireless, the need for human warmth that the Portuguese have, there is no clearing of sand or even rectangle that can resist, what paradísiaco missing in this scenario was the same screening layers of fat. Ficar em casa em Agosto cada vez me parece uma melhor opção. Stay at home in August ever seem a better option
.


O que irão pensar de mim com uma escrita destas?

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

A minha vida com o japonês

Dentro de mim vive um japonês. Tem a máquina fotográfica quase sempre à mão e, se se contém em situações menos próprias, deve-se apenas ao efeito disciplinador que exerço sobre o mafarrico. Nem sempre me obedece, causou-me pelo menos duas situações constrangedoras que me escuso aqui a contar. O japonês que as conte, se quiser, já me foi suficientemente embaraçosa a situação, as situações, melhor dizendo, que voluntarioso como é não se contentou com o feito e na primeira janela de oportunidade lá estava ele com o dedo indicador direito sobre o meu para um clique inevitável sobre, enfim, um daqueles locais sagrados, nomes e locais não são para aqui chamados. Advirto-o inúmeras vezes Pára, aqui não, nem penses, olha os letreiros, é proibido fotografar. Mantenho pulso firme e, quando o disciplino, a vida vai correndo relativamente tranquila. Admito que é insistente, contudo, não se deixa convencer à primeira, como se viu da tal vez perante o local sacrossanto e, às vezes, muitas, parece que me prime o indicador sobre o botão da máquina, sem que pouco lhe consiga fazer, sempre à espera do clique mágico bulimicamente fotografando para a posteridade as cidades e locais por onde deambulo.
O japonês e eu chegámos a um acordo para uma vivência mais pacífica, não obstante. Avisei-o peremptória que não fotografo, de todo, pessoas, serão animais em jardins zoológicos, por acaso? e comida nos restaurantes, era o que faltava, muito embora me perca em bancas de flores e frutas em mercados e lamente até hoje não ter tido a máquina à mão quando os girassóis em Amesterdão me sorriam das bancas, artisticamente dispostos em molhos, uma exaltação dos sentidos que colore a cidade entre canais, bicicletas e as cornijas decoradas das casas comprimidas umas contra as outras. Nessa ocasião, o japonês andava meio ausente, acompanhava-me com menos frequência e passava por momentos de aparente introspecção, talvez a justificação plausível para a ausência quase absoluta de fotografias dos dias de Amesterdão.
Com o advento das máquinas digitais, o japonês tornou-se abusivo e intromissor. É que não me larga. Num mero fim-de-semana fora de portas chovem às catadupas as quadrículas coloridas, pedacinhos brilhantes dos itinerários percorridos. Se saio para um passeio à beira-mar, segreda-me Olha ali! Dava uma bela fotografia. Mal saio a porta, um cutucar no ombro Que linda que está a passiflora. A pobre da gardénia quando se desmultiplicou em flores alvas e perfumadas não teve mais sossego, coitadita, todos os dias, todinhos, primeiro os botões, depois a flor que se desvela e mais uma, mais outra, três, quatro, cinco, de manhã, pelo zénite, ao entardecer. Um desassossego é o que é.
O japonês tem lugares de culto. À primeira visita chovem apenas fotografias, à segunda chovem ainda mais, uma selecção mais cuidada do já fotografado, a atenção ao pormenor, a luz, a perspectiva. Foi assim no Great Hall do Museu Britânico: da esquerda, da direita, de cima, a atenção na refracção de luz, os reflexos no chão, as pessoas que passavam. Adora o Museu, o salafrário. E de igual forma em Berlim, parece que tem uma predilecção por arquitectura contemporânea, de mau gosto não o posso acusar, na cúpula do Reichstag, uma, duas três, quatro, cinco e depois encaracolar-se pela subida e ver o céu ora azul, ora encoberto com nuvens brancas e a cidade em seu redor, esteve bem Norman Foster, disse-me, já me tinha dito o mesmo do Calatrava em Malmö, a propósito do Turning Torso, as Portas de Brandenburgo do lado direito, que coisa, agora encavalitadas, sussurrou-me, entrincheiradas entre embaixadas e bancos, e mais umas quantas fotografias ao monumento mais simbólico da cidade dividida.
E agora vou-me. O sol pôr-se-á dentro de minutos, sobre o mar desenhou-se uma pincelada prateada e o japonês chama-me. Não se pode viver com ele, não se pode viver sem ele.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Momento sitemeter (10)

A quem procurou por mulher caprichosa informamos que tem dias...

You fat cow


Já não bastava o povão em catadupa na praia, a criançada a jogar à bola para cima de uma cidadã pacata, os martins, guilhermes, marias e margaridas, as vanessas e os rubens a largar asneiredo pela boca fora, os paizinhos impotentes perante a personalidade forte dos seus rebentinhos, aos berros e às ameaças, a verborreia e a vidinha escarrapachadas à frente de todos, os telemóveis incansáveis, a necessidade de calor humano que o português tem, não há clareira de areia ou rectângulo sequer a que consiga resistir, o que faltava neste cenário paradísiaco era mesmo o rastreio das camadas adiposas. Ficar em casa em Agosto cada vez me parece uma melhor opção.

imagem: Jeanne Lorioz, "Petit Frisson"