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domingo, 29 de agosto de 2010

Bestas de duas patas

E estava tudo a correr bem. Férias, sol, fim-de-semana. Algures pela manhã quando fomos alimentar o cão do vizinho, o Hélder apurou o ouvido e disse Há por aí um gato a miar. Apurei também eu o ouvido e havia. Um miado fininho e insistente. Não parava nem acalmava. Findas as festas no cão, rumámos ao encontro do som e foi aí que nos deparámos com uma gatinha mínima, tigrada e tricolor de orelha grande e olhar assustado. Ao primeiro movimento da nossa parte escapuliu-se por entre os canaviais e, sem nada mais que pudéssemos fazer, rumámos a casa, convictos de que a bichana andava perdida da mãe e que certamente depois de tanto miar a progenitora a viria buscar. Ao longo da tarde os miados não paravam e decidimos, por fim, ir levar-lhe comida. A bichana estava muito assustada, e à medida que me fui metendo nos canaviais o miado assustado respondia à minha voz. Ora, um amante de animais e gatos em particular não fica indiferente e fui-me adentrando cada vez mais para ajudar a pequenota. Se não a tivesse visto pela manhã, teria ficado menos incomodada, mas eu vi o olhar assustado e o ar desprotegido. Depois de muitas manobras de charme consegui finalmente agarrá-la e trazê-la junto ao meu peito até casa. Comeu, miou, refilou e, maldade das maldades, ronronou-me no colo e se há coisa que me entra pelo coração sem qualquer solução ou defesa é esse sinal de contentamento e paz, o ronronar, a barriguita para o ar e por fim a tranquilidade. Mas eu não posso ficar com ela, tenho três gatas adultas e muito senhoras do seu nariz. Resta-me a satisfação de a ter poupado a morrer esfaimada e a passar mais uma noite desorientada. E depois de sentir o comportamento dela cá em casa e junto a nós, tenho a certeza que esta gatinha estava habituada a humanos. Algo me diz que foi abandonada por algumas bestas de duas patas.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Sem justificação

Desde que se começou a aventar a hipótese de se fazer uma revisão ao Estatuto do Aluno, até ela ser efectivamente feita e finalmente promulgada pelo Presidente da República que não se fala de outra coisa. A bandeira principal, a pólvora, a panaceia que poria fim a todos os males do mundo, assim como uma banha da cobra que iria erradicar as enfermidades do mundo educativo estava aí, prestes a surgir e a repor a verdade do mundo e a justiça do universo: a distinção entre faltas justificadas e injustificadas. Da esquerda à direita, os líderes, sub-líderes, assessores dos líderes, amigos dos líderes e animais domésticos dos líderes políticos encheram as balofas bocas com palavras doutamente ignorantes e o povo cordato e obediente regozijou em júbilo com a mais esparvoada das mentiras. A distinção entre faltas justificadas e injustificadas existia no antigo Estatuto do Aluno. Os pais, encarregados de educação e/ou quem os substitui, conhecem muito bem as folhinhas brancas A5, modelo do distinto Ministério da Educação onde escrevinham dias, horas, datas e causas da ausência dos seus educandos e que por vezes acompanham com atestados médicos ou declarações médicas. E para quê? Para que as faltas sejam justificadas naturalmente. E o que acontecia se assim não fosse? Acontecia que as faltas não eram justificadas e, não o sendo, os alunos teriam de realizar Prova de Recuperação quando ultrapassassem o dobro das horas semanais da disciplina a que faltou. Se as faltas fossem justificadas, apenas quando ultrapassassem o triplo teriam de se sujeitar a esse bicho burocrático e inane conhecido como Prova de Recuperação e que, convenhamos, terá ajudado muito às estatísticas socráticas que como sabemos é a sua preocupação principal. E depois da mesma mentira repetida como eco sempre que se aborda o assunto, fica claro que os nossos líderes e outros precisavam de uma Prova de Recuperação para recuperarem as aprendizagens, sim, o pleonasmo impõe-se, é para isso que serviam. Algo me diz que não recuperariam, mesmo com o Plano XPTO, para se porem ao fino. É sempre mais fácil pegar em chavões do que averiguar a verdade. O povo gosta.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Momentos

Um livro, uma camada generosa de protector solar, uma garrafa de água, biquíni e havaiana no pé. E rumo à tarja prateada que me brinda todos os dias da janela da cozinha, do terraço também. Cabelos ao vento, o aroma indefectível do Verão e praia enfim. Sol que me abraça e beija. Às vezes é tão ser fácil ser feliz.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Confissões de uma criatura insólita

A tarde já ia longa. Finalmente a brisa desejada ao longo do dia beijava os corpos engalanados para a ocasião solene. Ao redor da mesa petiscando uns opíparos camarões cozidos com um vinho verde branco, os convivas destruíam barreiras e entregavam-se à festividade do dia, arrumado por fim o reencontro emocionado de anos de separação, mágoas e corações com cicatrizes de sofrimentos passados. E foi aí que na troca de palavras sobre os ofícios que nos dão o pão que surgiu vindo de algures Ela é professora ou terei eu mesma proferido Sou professora. E eis que paira entre os copos de vinho e a degustação dos camarões um misto de incredulidade, compaixão, pena, algo que se instala no ar estival por efémeros momentos e que me faz sentir um bicho raro, um animal estranho, uma criatura insólita. Valeu-me a descontracção do Verão e a degustação de um copo de vinho, o gole bebido com o vigor de quem não se quer recordar. E não me lembro de a minha profissão se ter tornado nisto, neste misto de estupefacção Ah como é forte para aguentar aquilo e de pena paternalista Coitada! Coitadita! É professora… que se há-se fazer. E sei que houve melhores dias para a profissão, dias em que os professores tinham o mínimo de dignidade, dias em que os professores eram respeitados como cidadãos correctos, dias em que os professores se davam ao respeito, dias em que ninguém chateava ninguém: o professor com o seu olhómetro a classificar os alunos a seu bel-prazer, vidas inteiras de incompetências encapotadas, dias em que os pais tinham a capacidade de olhar a adolescência como a mais difícil das etapas, a mais perigosa, a mais passível de omissões e imposturas, alunos que aceitavam a autoridade como algo natural nas relações pedagógicas. E mesmo mudando-se os tempos e as vontades e não sendo uma nostálgica do passado, dói. A pena dói. O descrédito dói. Ser professor dói.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Fúria...

arrumadeira é o mal que me acometeu desde que o terraço ressuscitou. O blogue vai ter de esperar até conseguir encafuar tudo nos sítios certos e desfazer-me do passado que me resta em pedaços de papel.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Estupidamente optimista

Depois do terraço acabado, o roupeiro montado, o trabalho no fim e uma notícia que me tranquilizou o coração é como me sinto: estupidamente optimista.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010