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quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Nesta data querida


Para pessoas especiais, tratamentos especiais, por isso aqui vai um girassol do meu jardim com todo o carinho e votos de uma belíssimo aniversário. A menina das estrelinhas faz hoje anos. Sem ela este blogue seria muito mais sombrio. Muitos parabéns, querida C.!
E agora ide , estimados comentadores, e deixai uma palavrinha carinhosa à nossa C. Ela merece tudo e eu gosto muito dela.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Aquela altura

Chegou aquela altura. Não aquela altura do mês. Aquela altura do ano em que a criançada entra na rua e vem direitinha à minha porta a pedir guloseimas. Para que não falta nada fui hoje abastecer-me de rebuçados, chupas, moedas e bolinhas de chocolate, chocolates e línguas-de-gato, um saco imenso a abarrotar e uns quarenta euros mais leve. Estou tentada a meter a despesa no IRS.

domingo, 25 de outubro de 2009

O Prozac, depressa!

Já não me chegava a neurose invernosa, o humor outonal, ainda tem de anoitecer às seis da tarde? Mas quem, quem é se lembrou de mudar a hora?

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Embora não lhe possa agradecer a gentileza com os Jimmy Choo, fico muito sensibilizada com esta referência. Obrigada, Laetitia.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Coisas que me apoquentam

Fui só eu ou também ouviram António Lobo Antunes na entrevista de hoje a dizer há-dem? Agradece-se a confirmação na caixa de comentários. Grata pela atenção.

Outono no campo


Momento sitemeter (Especial FarmVille)

Sumiu a galinha e sumiu no Farmville. Foi por isso que alguém veio parar a este blogue através do apelo desesperado no google farmville galinha sumiu. Se a vir a rondar a minha quinta terei todo o gosto em restituí-la, até porque as galinhas só ocupam espaço e rendem umas míseras oito moedas quando se lhes apanham os ovos.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

O livro

Não sendo mulher de fé nem de fervores místicos, a Bíblia, para mim, é apenas um livro. Fundamental na cultural ocidental, inspirador para muitos, crentes ou não crentes, prenhe de uma imaginação delirante em alguns episódios e carecida de uma explicação racional nos mesmos ou noutros, que contudo podem encontrar na sua força metafórica a solução para o irresolúvel nas mentes pragmáticas. Sendo um livro, como qualquer outro, permite a uma pletora infindável de interpretações, tantas quanto os leitores e tantas quanto os contextos sociais, políticos e religiosos o permitirem. A História prova-o e não é por acaso que, regendo-se pelo mesmo livro, existem religiões diferentes, cristãs na sua essência, mas com diferenças substanciais quanto a ritos e práticas, todas elas com um denominador comum: A Bíblia. Se perguntarmos a uma Testemunha de Jeová por que não comemora aniversários ou o Natal, ele responderá porque não está na Bíblia, se questionarmos um rastafari porque fuma erva a resposta será porque está na Bíblia. Sendo para mim um livro, a Bíblia não é mais do que isso, portanto, para mim, descrente, as palavras de Saramago reflectem, além da sua condição de provocador implacável, papel que cumpre com mestria, a literatura deve ser sempre provocação, uma interpretação. A Bíblia pode não ser apenas “um manual de maus costumes”, mas pode também sê-lo se o isolarmos da palavra de Deus. Saramago tem direito à sua interpretação.


Também no Delito de Opinião

Acontece

Acontece que eu sou mulher comichosa e na minha condição de comichosa não só gosto com exijo saber o que me fazem ao corpo quando o entrego às mãos dos médicos, essa classe profissional a quem devem ter retirado o relógio assim que se estrearam na profissão. Podem mexer e remexer, dentro dos limites, é certo, conquanto me expliquem em que consistem as suas incursões.
Acontece que a minha mãe é rapariga menos comichosa do que a filha. Nesta sua condição está-se literalmente nas tintas para o que lhe fazem ou deixem de fazer os médicos desde que a tratem bem e rápido. Não quer saber e dispensa descrições pormenorizadas de procedimentos cirúrgicos.
Acontece que a primeira vez que ela foi ao oftalmologista ele fez um relato pormenorizado, consubstanciado e minucioso de todos os procedimentos que intentará um dia destes. Injecções para aqui, injecções para ali, dormências e imobilizações.
Acontece que há médicos que parecem ser feitos da mesma cepa, que terão lido na mesmíssima cartilha e que afinarão pelo diapasão comum. Foi por isso que na segunda visita ao médico, outro por sinal, se seguiu a repetição exaustiva da primeira descrição já de si pormenorizada. Injecção para ali, injecção para aqui, um pequeno hematoma provavelmente, caso apanhe um vaso, uma picadela aqui, ali e acolá.
Acontece, senhores doutores, que a minha mãe não quer saber. Quer ser tratada de forma profissional e competente, a ritmo acelerado e vir para casa quanto antes. Entendem? Podem, se faz favor, parar com as injecções, picadelas e hematomas? E já agora, arranjem um relógio, que o povo tem mais que fazer do que ficar horas a fio à espera que se dignem a chegar. Grata pela atenção.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

FarmSobreiroVille Photos


Brevemente em doce de abóbora...

A ira divina

Calma, São Pedro. Eu sei que o Saramago anda a mandar umas bocas que têm deixado alguns católicos eriçados. O resto do povo não tem a culpa e não era preciso esta intempérie. Dá lá a outra face e deixa-te de coisas que já estás velho para birras.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Onde não estou

Em mim vive um bicho rebelde que raramente aceita um não porque não, a menos que seja dada uma justificação corroborada pela razão ou o coração esteja em causa. Nessa situação o não, o mais pequenino e insignificante indício de que um não virá a caminho será o suficiente para me deixar quieta sem mais resposta, os sentimentos não se devem pedir, nunca pedinchar e jamais suplicar. Este bicho rebelde que me acompanha desde sempre faz com que, por exemplo, me apeteça o oposto daquilo que posso fazer apenas porque o oposto me soa a uma libertação remota daquilo que me ocupa no momento e que me tolhe os movimentos, tarefas aborrecidas, chatas, enfadonhas, entediantes. Se estiver numa sala fechada a ouvir barbaridades ou banalidades quero de imediato fugir, se estiver na rua apenas porque sim quero ir para dentro da sala porque me parece melhor, sem as barbaridades e dispenso as banalidades. Deve ser, pois, por este ataque tardio de adolescência rebelde que desconfio ter-se tornado num traço de personalidade que agora, justamente agora, neste exacto momento em que o trabalho parece fêmea em plena procriação, me apetece escrever. Quando finalmente o trabalho abrandar e me puder dar ao luxo de umas horas sem cabeça nem corpo ocupados neste mester de ser professora e formadora, sei, ah se sei, que me vou abandonar meio inerte com o ecrã branco à minha frente e vou argumentar Estou tão cansada que nem me apetece escrever… e não é porque esteja cansada, é porque posso e quando posso já não quero.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

A outra mulher

Os dias, o período, as regras. Diz-se, e a ciência corrobora, que na segunda metade do ciclo feminino regido por luas e hormonas envoltas em processos químicos e alquímicos misteriosos, as mulheres se metamorfoseiam em seres irritadiços e intolerantes, regidas por Marte e abandonadas por Vénus. Tão sensíveis como cristal da Boémia, tão deprimidas quanto a Marcella de Kirchner, e tão mas tão infelizes que poderiam ser peças fundamentais nos talk-shows matutinos, desfiando desgraças como se descascam ervilhas e se deixam, às desgraças, derrubar-se umas sobre as outras até formarem um promontório de lamúrias e infortúnios, uma pirâmide de desaires e desgraças.
Distam pois uns quatro anos bem medidos, quando, acometida pela instabilidade da serotonina comandada pelas hormonas diabólicas sofri publicamente de tensão pré-menstrual. Era Maio findouro, o crepúsculo anunciava-se por trás do palco em meia-lua, projectando imagens de defensores dos direitos humanos, amantes da paz e lutadores pela liberdade. Martin Luther King, Mahatma Gandhi, Madre Teresa de Calcutá ao som do Imagine de John Lennon cantado por Rui Veloso e tocado por Gilberto Gil. Apoderou-se de mim uma força interior, pujante na alma e, à medida que o sol se escondia e a música subia, o sentimento desfez-se em água que se me brotou inevitável pelos olhos.
Incompetente absoluta na capacidade de chorar por emoção outro remédio não tive, senão resguardar-me nos óculos de sol, incriminar a poeira de me ter afectado as lentes de contacto e causado irritação e remeter-me à mais rotunda evidência: eram os dias, o período, a famosíssima tensão pré-menstrual, o álibi que homem algum ousa questionar e que as mulheres respeitam, reverentes e solidárias. Podia pois abandonar-me ao momento de pura emoção sem que me fossem feitos interrogatórios, os primeiros encetados de mim para mim, inquiridora-mor de mim mesma Tu? A chorar? Estás bem? e silenciosamente acomodar-me ao novo estatuto de criatura emocionável e choraminguenta.
O primeiro aviso ter-me-ia sido dado no dia em que, ladeada por dois soneros em plena Plaza de las Armas, em Havana, me foi cantado o bolero que me acompanhará enquanto memória me for possível Dos Gardenias para ti. A emoção do momento desestabilizou-me o sorriso que saía tímido e desajeitado, os olhos lacrimejantes, contam-me. Acreditemos, contudo, que estariam longe os dias fatídicos e as hormonas a banhos lá para Varadero. Engoli as lágrimas e sacudi a emoção.
E andava eu tranquila na minha vida quando nos últimos quinze dias me vi abalroada pelas forças intangíveis que se me perturbam os últimos resquícios de fleuma. Duas vezes em quinze dias. Uma em Londres ao som do Who wants to live forever? no musical We will rock you, a outra Sábado passado perante a presença avassaladora de Caetano Veloso em palco cantando-me Você é linda. Com tanta proximidade não há hormonas, dias ou regras que me valham. Admitirei pois que sou apenas outra mulher.

E fui repescar esta crónica antiga porque há instantes quando parei para ouvir isto por imperativos profissionais estava com pele de galinha e tinha uma lágrima teimosa a querer embaciar-me o dia luminoso que nos abraça lá fora. Raios.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Puro ódio

Há dias em que odeio a minha profissão. Esses dias são aqueles em que perante um imprevisto que hipoteticamente me obrigue a faltar, doença ou morte de alguém que embora querido não consta nas minhas relações consanguíneas, a primeira coisa que me surge como um martelo pneumático no ouvido é a constatação Não posso faltar! Ou a inquirição perante mim própria antes que verbalize seja o que for E agora, como é que vou fazer? E ainda Quem me vai substituir? e em última análise, por cima de tudo e de todos Tenho de ir fazer uma ficha de substituição. Igual quem vive ou morre, igual se precisam de mim. Nesses dias, como hoje, por exemplo, odeio-a, odeio-a com toda a força da minha alma e por inerência odeio todos os que me obrigam a colocar a minha vida profissional acima da minha pessoal, que, convenhamos, também tenho, caso dúvidas subsistissem para aquela gente que pare leis lá para São Bento. E não quero saber se se abusou da lei, se se cometeram excessos no passado e se agora paga o justo pelo pecador. Não tendo sido um desses, continuo a pagar por todos os outros. Não me falem pois de mérito, de premiar os melhores, de distinguir o trigo do joio e de trazer justiça à profissão. Há dias em que odeio a minha profissão.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Ufa

Acabaram as legislativas. Acabaram as autárquicas. Agora já posso prosseguir com a minha vida e finalmente saber quem vai substituir Maria de Lurdes Rodrigues na Educação.

domingo, 11 de outubro de 2009

É tudo gente morta...

dizem eles. Na verdade estão vivinhos e recomendam-se, além de lá estar o Manuel S. Fonseca com quem prazeirosamente partilhei as terças-feiras nos meus tempos do PNETMulher. Espreitem aqui.

sábado, 10 de outubro de 2009

Confissões de uma bibliófila incurável

O meu problema com os livros é que gosto de livros e gostando de livros não me fico apenas pelo mundo que albergam nas letras em carreirinha páginas fora até ao último ponto ou derradeira palavra. Gosto do livro, do objecto, das letras na contracapa, das capas e gosto de me sentir acompanhada por eles. Seria incapaz de viver numa casa sem livros. Caso que me queiram infligir um castigo maior, podem fechar-me num espaço despojado de livros. Por oposição, um espaço coroado de livros oferece-me a tranquilidade longe do mundo como se não tivesse havido ontem nem amanhã acontecesse, o tempo pairasse indelével entre estantes e lombadas e Cronos abrisse um parêntesis na sucessão de momentos a que se convencionou chamar dias ou meses. Mas o meu problema com os livros é que gostando deles perco-me até por edições novas das mesmíssimas obras, as mesmas que li e que tenho, apoderando-se de mim um misto de gula de os devorar e de luxúria de os possuir. Aconteceu-me mais uma vez quando me cruzei com a última edição de Os Cus de Judas a propósito da comemoração dos trinta anos de carreira literária de António Lobo Antunes. Um ímpeto irresistível que me levou a passar-lhe os dedos sobre a capa levemente rugosa e a tentação das tentações: o perfume único que exalam as páginas acabadas de imprimir. O livro é o mesmo, o mesmo que terei lido há trinta anos, o miolo apenas com pequenas correcções fixadas na edição ne varietur que também tenho em casa, por sinal autografado pelo autor num dia de calor à sombra dos jacarandás. E lá veio a gula, logo a seguir a luxúria. Decididamente tenho um problema com os livros.


Também no Delito de Opinião

Reflexões verdadeiramente importantes

Tenho de ir ao talho antes da hora do terço na Renascença.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Mal de inveja

Depois de um fim-de-semana fora, a Lolita estava cheiinha de saudades dos donos e recebeu-nos com uma panóplia de marradinhas e enroscanços nas pernas, um verdadeiro ritual de boas vindas com direito a acompanhamento a todos os pontos da casa para onde nos deslocássemos. A Lolita que foi durante um ano gatinha única não achou grande piada a que as duas bichanas que lhe saíram de dentro tivessem o mesmo direito que ela a partilhar os donos e andou uns tempos distante. A verdade é que nunca foi particularmente carinhosa, não no sentido convencional de ser expansiva mas tem uma forma muito peculiar de mostrar os seus afectos, nomeadamente quando procura a cama na nossa ausência, quando se passeia vaidosa na presença dos amigos que nos visitam e quando põe as duas patas dianteiras em cima de um dos nossos pés, um número que repete amiúde. Desta vez estava particularmente saudosa e não nos largou um minuto. Chegada a hora de ir dormir ocupou um lugar cimeiro na cama e quando a Guidinha começou a ronronar, deu-lhe literalmente três tabefes por duas vezes, a sensação clara de que se afirmava em posse do território, presumo que eu faria também parte do território e que aquele ronronar insistente a estava a incomodar. Depois dos tabefes, olhou-me de olhos semi-cerrados, enrolou o rabo à volta do corpo e manteve-se como se nada fosse, majestática e imponente no seu corpo reboludinho de gata pequena e atrevida. E é nesta alturas que invejo os gatos, invejo muito os gatos, porque também gostaria de ser assim, ter uma vida amoral, assumir os meus caprichos, humores e fúrias, dar uns tabefes bem arrumados a quem me perturbasse o enlevo e o espaço e continuar absolutamente impassível e fleumática e assim sedutora e irresistível.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O último de tempo da manhã

O último de tempo da manhã só é ultrapassado por um outro último tempo: o da tarde. A entrada para o último tempo da manhã é sempre tumultuosa, o alívio iminente da manhã trabalhosa, o estômago que começa a ressentir-se e a certeza de tudo acabar dentro de noventa minutos constituem o cocktail explosivo que me é dado a deglutir em todos os últimos tempos da manhã. Enquanto se arrumavam nas carteiras, ajeitavam as mochilas e tiravam livros e cadernos, uma voz feminina solta-se do lado direito junto à janela Stora, sabe que dia foi ontem? Dia do professor! Muito bem, stora, os seus colegas não sabiam. Pronto. Era escusado fazer boa figura à custa da ignorância alheia mas nisto de se ser professor nunca se sabe o que nos espera e que figura faremos a seguir. Correu-me bem desta vez. Aguardo a próxima. Logo a seguir à voz feminina e na sequência da minha pergunta sobre o feriado e o fim-de-semana, se tinha corrido bem, se se tinham divertido, se estavam bem dispostos, ouço uma voz sumida, masculina desta vez. Stora. Sim? Stora. A voz continuava em surdina como um lamento suave. Ó Stora, tenho as axilas assadas. Ora a stora é rapariga que está habituada a ouvir coisas várias, a stora ouviu várias coisas ao longo destes vinte e dois de vida de professora que se comemoram hoje mas as axilas assadas? As AXILAS ASSADAS? E sem que a stora pudesse esperar mais, a voz e o seu dono aproximam-se calmamente na cadeira giratória. O dono desta voz e deste corpo longilíneo de modos suaves e carinhosos é um rapaz calmo, nunca se viu em altercações, tem uma paixão assolapada por uma garota morena com metade do seu tamanho e é gentil e doce. E lá veio na cadeira giratória até ao pé da stora para abrir a manga da t-shirt de onde se podia ver a vermelhidão da axila masculina, Tadinho, como é que fez uma coisa dessas? consequência óbvia de uma depilação insistente. Tentei três vezes. Sozinho. E depois vieram os conselhos, um creme rico em vitamina E. Faz bem, a stora tem razão, acrescentou a colega do lado, sempre atenta e com um sorriso luminoso. E a aula continuou. O último de tempo da manhã só é ultrapassado por um outro último tempo: o da tarde. Este ano não tenho aulas ao último tempo da tarde, razão suficiente para ficar tranquila quanto a posteriores revelações. Nunca se sabe o que me esperaria.


E hoje passam vinte e dois anos sobre o meu primeiro dia de aulas. Pelo que me lembro ninguém me anunciou que tinha as axilas assadas.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Dia de Outono

Desapareceu-me a tarja de mar prateada. Da janela da cozinha, espreito uma massa informe, cinzenta, onde outrora o sol beijava o mar pelas tardes fora e a esperança de dias belos se espelhava na aura alaranjada que o sol ia largando atrás de si. Era mar e era céu. E eis chegado o tempo e vou acalentado na passagem de dias sombrios a esperança de um novo tempo.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Quatro anos...


desde este momento.
Obrigada pelo carinho e paciência

Espelhos

A primeira vez que isto me aconteceu foi quando decidi não procrastinar e perante o primeiro aviso de pouca gasolina no meu humilde carrinho e antes que se tornasse num grito vermelho rumei resoluta à bomba de gasolina. Depois dos trâmites costumeiros uma cara masculina abriu um sorriso largo não sem antes cumprimentar em tom brincalhão Olá Senhora Professora. O rosto já com cãs e longe de ter a frescura adolescente era-me completamente desconhecido. Nada. Nem uma expressão, nem sequer o sorriso ou a expressão do olhar que resiste à passagem do tempo. Um rosto que me reclamava como sua professora, vinte anos já decorridos, e que provava conhecer-me e reconhecer-me duas décadas depois de lhe ter preenchido horas com um linguajar estrangeiro e eu perante ele desastrada, quem sabe com cara de velha patética de boca ao lado e olhar arregalado. E percorria a minha memória, cavalgava anos na procura daquele rosto, e tentei, quase em vão, lembrar-me. Localizei o ano como quem procura o carro perdido no estacionamento, Ah então estás aí, encontrei a turma seleccionando-a como se escolhesse a única chave capaz de me devolver o rosto do molho caótico no fundo da mala. Não mais do que isso, porém.
A segunda vez que isto me aconteceu saía lampeira da mesa de voto, quando alguém me interpelou por causa das sondagens. Enquanto se procuravam canetas e ajeitavam boletins eu disse que era professora. Um rosto de mulher carcomido pelo tempo olhou-me nos olhos É professora e filha de professora. A partir daí entabulou-se conversa, que a minha mãe tinha sido professora dela, que ela era daqui perto, e deixei a memória percorrer mais um dos caminhos pretéritos, mais uma vez uma maratona de rostos e décadas e vidas mas mais uma vez, como a primeira, nada. Trocámos o tratamento formal pelo tu, abomino, odeio formalidades bacocas e dispenso distâncias presunçosas. Revisitei o cartão identificativo que a mulher ostentava. Nada, aquele nome associado àquele rosto não me dizia coisa nenhuma. A mulher adiantou que eu era dois anos mais velha, uma enorme diferença quando se anda no Liceu, que eu e os meus colegas éramos bem mais crescidos e mais altos. Talvez daí, talvez daí não me ocorresse coisa nenhuma. E assim fui ficando desconfiada de mim própria perante isto que se me instalou de repente na vida, a ladainha que pressinto irei repetir amiúde Não me lembro e o desconforto dos outro se lembrarem Lembro-me de ti.
A terceira vez que me aconteceu isto foi hoje, quando ao sair de uma porta de um local público me cruzei com uma mulher pequena. Esbaforida, anseava por um café e galguei rumo à rua até ouvir Olá Nonô. E desta vez, depois do meu nome verbalizado, reconheci aquela cara, o mesmo sorriso de sempre mas rodeado pelas rugas de expressão, a decadência bem presente no colo e no pescoço. Mais uma vez teria passado a direito sem dizer um Bom Dia sequer, à primeira vista aquele rosto não me teria dito nada. E eu sei que os outros são o meu espelho, sei que as cãs do rapaz na bomba da gasolina sou eu, sei que a expressão carcomida da minha colega de liceu sou, sei que o pescoço enrugado da minha vizinha de tantos anos sou eu, mas às vezes não me lembro, não me lembro sequer de mim.