A alma recostada na arte de nada
fazer. Acordar de manhã e vestir uma roupa confortável e inconsequente,
havaianas nos pés e a esperança de dias longos de sol sem preocupações
Estatelar os pés na relva e conversar sobre coisa nenhuma com as gatas que se
vão enrolando, entrando e saindo de casa sem restrições como se também a elas
fosse permitida uma quebra na rotina. Telemóvel mudo e quedo. E depois sair
daqui de passaporte no bolso ou cartão de cidadão ou bilhete de identidade,
algo que me permita galgar fronteiras para deixar para trás um país decadente
de governantes execrandos. Estava eu nesta vida de nada fazer quando fui
chamada pelas minhas obrigações de fada do lar. Rumo ao supermercado, era um Sábado
de manhã talvez, passeio rápida pelos corredores de lista na mão para não me
perder e me encontrar em coisas que não preciso, e quando estava lá no corredor
dos queijos, quase depois de me ter encontrado num delicioso queijo Feta, vi-a
do outro lado, na encruzilhada entre as margarinas e os gelados. Trazia a mesma
roupa que usa nos dia-a-dia que vamos partilhando, preocupante só de si, e que
me fez soar os alarmes e regressar por instantes à vida profissional. O coração
a bater mais forte, tomado de aflições para me recompor e mandar às urtigas
isso que se chama de vida profissional. Abeiro-me da criatura acompanhada das
crias, lanço-lhe um cumprimento sincero de sorriso largo bronzeado e do outro
lado sou recebida com um esgar de espanto, um misto de qualquer coisa entre a
surpresa e o horror. Digo-lhe Olá! Responde-me de mão no peito Ai credo! Gosto
muito de te ver mas só de pensar no que aí vem… Rosto contristado como se fosse
mensageira da desgraça, euzinha vinda de cobiçar um queijo Feta, acabada de
sair da secção de legumes tão saudáveis. Esperei pela capitulação, um olá, uma qualquer expressão que me permitisse ver que a criatura estava a brincar. Não estava. Resmunguei qualquer coisa e dei corda
às havaianas, sim, vou de havaianas ao supermercado, desaparecendo entre as
bolachas e as tostas.
E parece que amanhã é esse tal dia primeiro do ‘que vem aí…’, um
daqueles anos que ninguém deseja. Depois desta recepção estou pronta para
tudo. Let the games begin.