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sexta-feira, 18 de novembro de 2005

A Love Story

Hoje o H. ligou-me e disse-me estás a ouvir? Do outro lado soava a voz inconfundível de Maria Bethânia num dos temas que mais me enchem a alma. Descobri-o, quando no Cool Jazz Fest deste ano, ela brindou o público com mais uma das suas bênçãos tendo o Convento como cenário e o Jardim do Cerco a seus pés. O H. não esteve comigo contudo. Nesse preciso momento liguei-lhe e disse-lhe contagiada pela baiana temos mesmo de ir a Salvador, paixão. No seu silêncio sei que concordou. Bethânia continuava evocando a bênção de dona Canô, o Joãozinho Beija-Flor, o Olodum e o Pelô . A partir desse instante esta música integra a banda sonora da nossa existência em comum. Foi talvez por isso, de resto, que hoje soou.
Conhecemo-nos por acaso, mais por acaso seria impossível. Estava frio e chuva. Era uma noite escura de Novembro, com o halo gótico a pairar sobre o Convento, o nevoeiro miudinho a entrar-nos nos ossos e o Natal a espreitar nas montras. Usava ao peito um crucifixo com um lápis-lazúli. Terá sido das raríssimas vezes que usei crucifixos em toda a minha vida. Claro que, como acontece muito frequentemente nas relações, não estávamos nem aí um para o outro. Através de um conhecido, a conversa encetou-se em torno de uma reportagem sobre astrologia com um astrólogo que pairava cá pela terra. Céptico, muito céptico, assim se mostrava aquele que, sem saber, que sem nenhum de nós sequer suspeitar, iria esperar-me no altar da Basílica uns escassos dois anos depois e receber-me do meu querido pai com o seu sorriso largo e todo o orgulho de papai coruja .
Nessa tal noite que modificaria a minha vida para sempre e que me mostrou verdadeiramente o que é ter alguém ao nosso lado e o verdadeiro significado de certas palavras, cuja sonoridade me era apenas familiar, o H. não articulava palavra. Mantinha-se aparentemente tranquilo, um pouco alheado junto ao balcão, bebendo um whisky, cogitando não se sabe o quê, sabe-se lá o quê… O mistério é das armas mais sedutoras e poderosas. E depois a conversa continuou, sem mistério algum, tendo ele advertido que não acreditava em nada disso. Signos para cá, signos para lá, e nem sei como, tentei adivinhar-lhe o signo. Será isto? Será aquilo? E depois rematei que perante aquela atitude só podia ser Gémeos… Bingo! Às vezes acho que tenho jeito para bruxa encartada. E foi a partir dali que não mais nos separámos. Timidamente sempre e claro sem que o outro soubesse procurávamos os locais e horas onde julgávamos encontrar o outro e num tórrido e belo dia de Setembro, incontáveis momentos felizes a dois depois, trocámos as oficiais juras de amor eterno.
Quando foi anunciado que Bethânia viria cá decidimos de imediato ir. Depois o meu pai adoeceu e depois o meu pai piorou e depois foi assim que o H., abdicando de tudo e sem sequer permitir que fosse de outra forma, não conseguiu ouvir a Bethânia ao vivo, explodindo o Reconvexo em todo o seu esplendor para que o meu pai não ficasse sozinho e a minha mãe pudesse ela ver e ouvir a grande Bethânia. Um simples obrigada é tão pouco... Pessoas assim são difíceis de encontrar.

8 comentários:

  1. Tu sabes mesmo contar as tuas histórias, leonor. Até estou aqui arrepiadinha com esta, tão bonita, mais bonita ainda por ser verdade, mais ainda por ainda estar a desenrolar-se...

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  2. Obrigada, fico contente por gostarem.

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  3. E eu nunca vou esquecer essa atitude tão linda e tão cheia de amor! Por isso e por tudo o resto o H. também tem um lugar muito especial no meu coração!Ele sabe e tu sabes.Um beijão para ambos

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  4. Ah, eu sabia que a astrologia tinha de ter uma utilidade, para além de adiar ansiedades com promessas. :D

    Que liiiindo!

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  5. É impressionante como me fazes vir lágrimas aos olhos com quase tudo o que escreves. Porque o sabes fazer tão bem, porque as tuas palavras me tocam, porque as tuas histórias são lindas...

    E é bom saber que ao teu lado está uma pessoa também tão especial. Abraço apertaaaaaadinho para ti!

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  6. Fantasminha, não te quero triste, vá, limpa as lágrimas. Beijinhos muito grandes e um xi apertadinho

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