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sexta-feira, 30 de dezembro de 2005

O meu pai

Anteontem, quando passeava os olhos pelos expositores de livros, saltou-me um livro de entre os demais e à noite quando estava sentada à lareira, o mesmo livro espreitou-me. Era o ultiminho da pilha de livros. Era mesmo o que estava a sustentar todos os outros. Veio parar cá a casa por acaso e ali ficou. Tinha-me esquecido da sua existência, mas lembro-me do que o H. me disse quando o juntou aos demais. Ontem dei com ele de novo. Não sei se hei-de acreditar em coincidências ou não. A tudo isto não será alheia a época festiva do ano e de, em sua consequência, saírem à rua todos os livros, peças de teatro e filmes alusivos à época e mais dirigidos para um público infantil.
Não me lembro se terá sido num Natal que o meu pai me levou ao teatro, recordo-me apenas que o fez e lembro-me claramente da peça, o Pinóquio. Melhor me lembro de quando deixei a sua mão ou o deixei sentado na cadeira do também desaparecido Monumental para ir ao palco receber rebuçados dos actores com todas as outras crianças do teatro. Sei que estava escuro, por isso acredito ter sido na altura em que o filho de Gepeto tinha sido engolido pela baleia. Havia cor e magia no ar.
O meu pai levou-me ao teatro pela primeira vez, levou-me ao cinema, com ele vi, pela primeira vez, Música no Coração, levou-me ao circo no Coliseu, leu-me os livros de quadrinhos trazidos pela Titia do outro lado do Atlântico, mostrou-me mais livros e o seu valor, encapou-mos antes de ir para a escola, estava lá quando chumbei no exame de código, esteve presente enquanto eu, aflita e nervosa, defendia a tese de Mestrado, expondo-me aos olhos de todos os que quiseram ver, levou-me ao altar, pelo seu braço entrei na Basílica e de braço dado, lado a lado, encaminhou-me à nova etapa de vida que me esperava lá ao fundinho, garboso e orgulhoso da sua filhota, viu-me ser distinguida com uma menção honrosa de um prémio literário, pouco importa se também esse livro passou ao limbo, esteve sempre presente em tantos e tão plenos momentos da minha vida, em muitos outros, tranquilos ou turbulentos, instantes do quotidiano, que quando ouço as notícias de abandono dos pais surge em mim uma angustiante vontade de chorar, não por mim, mas por quem não tem a presença de pai e, por isso, um dia não terá memórias doces e carinhosas de um verdadeiro pai, presente, carinhoso, terno, afectuoso e atento. Bem-hajas, meu querido pai, por o teres sido verdadeiramente.

4 comentários:

  1. Gostei muito deste texto L.
    Um grande beijo para ti e votos de que 2006 te traga muita tranquilidade e felicidade. Beijos

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  2. Um óptimo ano também para ti, querida P. Beijos grandes

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  3. Infelizmente nao fui a tempo de mandar cartoes de boas festas (um dia destes conto a hiostoria toda no Aurelia)
    mas ainda tenho tempo de desejar um bom 2006 a L. ao H. a senhora D. mae da L e aos gatinhos)
    :-)

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  4. Muito obrigada, querida Joana. Para ti também, tudo de muito bom neste 2006 que se aproxima. Beijos garndes ao L. também :-)

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