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quinta-feira, 19 de janeiro de 2006

Em Janeiro

Num dezanove de Janeiro, Elis Regina morria aos trinta e seis anos deixando o universo musical todo pela sua frente e uma carreira avassaladora por trás. O Brasil chorou. O mundo chorou. A música chorou enquanto se despedia de umas das suas mais talentosas e emblemáticas presenças.
Janeiro é mês feio. Faça sol ou faça chuva. Deste ou do outro lado do Atlântico. Aqui, ali, Janeiro será sempre Janeiro. Janeiro viu nascer o meu avô paterno num dia vinte do século passado. Janeiro viu-o também morrer. Três miseráveis dias após ter cumprido setenta anos. Marco esperado, ansiado, desejado, comemorado em família, assim foi pois a vontade do meu pai. Diz-se que era intuitivo e dotado de poderes mediúnicos, o meu pai e, por assim ser, e contrariamente a qualquer previsão, nesse dia vinte de Janeiro o meu pai pôde felicitar o seu pai. Três implacáveis dias de invernia depois, o meu avô era morto. Três dias gélidos e invernosos de reforma gozou o pai do meu pai. Em Janeiro. Janeiro escolheu também meu primo para, sem se saber porquê, desta vida se despedir e pela sua própria mão movida pela sua própria e inexplicável vontade, triste e insondável vontade para quem ficou, partir assim num dia também desse Janeiro cruel que me ensombra os dias. A dois dias e muitos anos de distância do nosso avô. E em Janeiro volta a pergunta em força que sono me tira e em mágoa me afoga PORQUÊ? e de novo ouço a voz da minha mãe chorando e anunciando-me o que nunca pensamos poder ser anunciado e em Janeiro vi e fiz o que nunca pensei poder ser feito. Em Janeiro partiu parte de mim. E assustando-me desde então com a proximidade de Janeiro, temendo a sua foice impiedosa, esqueci-me que também Setembro pode ser como Janeiro.

7 comentários:

  1. Janeiro para mim também tem gosto amargo. Foi nesse mês que minha vó se foi. A única avó que conheci.

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  2. Também detesto Janeiro, apesar de ser o mês de aniversário do meu amor. Perdi um primo da minha idade aos 23 anos e foi neste mês maldito que, aos 13 anos, a minha vida começou a dar para o torto. O facto de me revelares que a Elis também morreu neste mês só reforça este sentimento de mês desagradável, que se arrasta indefinidamente, cheio de maus presságios. Aliás, normalmente a alma só me começa a aquecer lá para Março. O arranque do ano, bem como o seu final, é-me sempre extremamente difícil.

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  3. A minha sorte este ano é que tem estado um solinho bom que me vai aquecendo a alma.

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  4. E uns beijinhos aquecem um bocadinho mais a vossa alma, sim???
    :)

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  5. Ora, isso nem se pergunta, pode-se dizer que a alma da gente é movida a beijos. Obrigada!

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  6. Nem mais! Beijos e mais beijos :)))))

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  7. Deste e do outro lado do Atlântico. Meu pai nasceu em janeiro, 13. E faleceu em setembro, 19. Escreves em janeiro, 19. Dias atrás chorava eu o seu aniversário na eternidade. Também me afoga a pergunta; tua tristeza é azul. Nossos janeiros, nossos setembros. Nossas coincidências...Bjos tbém.
    Imersa em escrever e fazer traduções, tenho chegado atrasada aos posts...
    Mas chego.

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