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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2006

Sinais dos tempos

Quando cheguei ao portão da escola a C. chamou-me três vezes, alto e a bom som, com as palavras atabalhoadas a saírem-lhe ao ritmo da excitação. Num dos braços um bouquet de rosa vermelhas e uma série de embrulhos e laçarotes, no outro o autor da surpresa, de óculos escuros, educado e sorridente. Logo a seguir uma rajada de perguntas, se eu ia dar aula, se ela tinha de ir à aula, se teria falta caso não comparecesse. A tudo respondi afirmativamente, pois claro, mesmo que remotamente me tenha dado vontade de lhe dizer que sim, que podia ir namorar à vontade. Por vezes não se pode adiar o coração. Quando entrei na escola ouvi em uníssono o refrão de James Blunt you´re beautiful, o amor estava decididamente no ar, e quando finalmente entrei na sala e comecei a dar aula senti que a turma se dividia em três classes distintas: as eufóricas, poucas, as amuadas, muitas e as indiferentes, algumas. O mesmo se aplicou às turmas seguintes. Não teci comentário algum ao dia, elas próprias se encarregaram de contar as novidades, as que as tinham, as outras recolheram-se fazendo beicinho e assim decorreram os noventa minutos regulamentares, comigo a perguntar-me em surdina como, quando e porquê o dia de São Valentim se tinha transformado numa data de referência para as pré-mulheres sentadas à minha frente e num motivo de descontentamento como se fossem quarentonas frustradas e encalhadas na senda do seu príncipe encantado. Da última vez que tinha estado no Secundário, a data era mesmo isso, uma data. Algumas/alguns recebiam cartas, poucos presentes e quando nem um nem outro se verificavam a vida corria tranquila, sem beliscadura no complexo universo das emoções adolescentes, sem amuos nem carrancas. Na turma seguinte a auxiliar de educação educativa interrompeu a aula perguntando por uma aluna e logo de seguida estendeu-lhe uma rosa vermelha por parte do seu amado. A reacção não se fez esperar, a visada ruborizou levemente, oscilou entre a surpresa e a comoção, uma terceira comoveu-se mesmo e as restantes dividiram-se de novo entre sorrisos de apoio e expressões de amuo. No fim da aula saíram cada uma com as ditas expressões e, enquanto arrumava os livros, ouvi alguém dizer bem, tenho até à meia-noite para arranjar um namorado. Saiu sorridente, ligeira e bem disposta, ironizando com o dia, o que me pareceu uma belíssima opção. A acrescentar aos inúmeros problemas com que os adolescentes se debatem hoje em dia, surgiu, ao que parece mais um, o drama do dia de São Valentim.

4 comentários:

  1. O valha-me a santa.... sinceramente, estas datas, datinhas, festejos, que parece que se tornam obrigacao como se toda a vida tivessem feito parte de nos e aumentam insegurancas e frustracoes ate que irritam o coro cabeludo!E que nao ha condicoes!

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  2. Nem mais... Fiquei abismada na terça-feira. Nem me passou pela cabeça que de repente isto se tivesse tornado mais um motivo de frustração para as garotas e que tivesse atingido esta dimensão.

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  3. pois, ja nao bastavam as frustracoes e insegurancas normais da adolescencia...

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  4. Mais uma razão para não ter saudades da minha horrível adolescência. Se já era deprimente ser o eterno par da vassoura nas festas, imagino agora, com mais esta idiotice...

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