Gosto de cidades, gosto do barulho, de ver os transeuntes a correr de um lado para o outro, de ser também um deles, os diferentes ritmos de cada um, gosto da vida que fervilha na urbe. Quando soube que iria deixar Lisboa, anunciando-se impiedosa e sem aviso prévio a alvorada de um tempo diferente que tinha mais sabor de crepúsculo, encostei-me sozinha no sofá e deixei cair as lágrimas, impotente que me sentia de parar a torrente da alma. As separações não se operam sem mágoa, e essa separação da cidade e do meu local de trabalho deixa-me ainda hoje um nó na garganta. Vertreibung é sempre a palavra que me ocorre. Dias, pois, dias a fio levei até que eu me recompusesse perante mim própria. Os outros raramente são chamados a estes lutos. No dia em que o telefonema anunciou cuidadosamente que, enfim, teria de dar um outro rumo à minha vida desviada sem aviso de recepção do caminho até então trilhado, fiz-me à estrada para cumprir os deveres profissionais, exercidos aparentemente com a tranquilidade costumeira e, depois, quando finalmente pude encontrar-me comigo mesma e digerir a mudança na minha vida, parei à porta da farmácia aqui da aldeia, entrei, comprei uns calmantes daqueles que se vendem sem receita médica e, por isso mesmo, praticamente inócuos e inofensivos, e mesmo à porta da farmácia, dentro do carro, emborquei uns quantos na esperança de que pelo menos o corpo se tranquilizasse, sabido é que para a alma não há remédios. Não me canso de estar na aldeia mas há alturas em que preciso de ver outra gente, outra cor.
Hoje não me faltou a cidade. Aproveitando a manhã de sol benfazejo, fui ao centro da aldeia. Comprei o jornal e revista semanal, fui ao pão e à mercearia. Maioritariamente mulheres, poucas, deslocavam-se de porta-moedas na mão, com o ar apressado de quem tem almoços para preparar, a casa para arranjar. A dona do café lavava vigorosamente o estrado da esplanada, acompanhada pela filha e sob o olhar atento da dona da tabacaria. Na mercearia encontrei o gerente do restaurante cubano, avisou-me da festa do rum, queixava-se das mulheres, que dão cabo de um homem, que são terríveis, trocou umas palavras com a irmã da dona da mercearia, com quem também eu troquei algumas palavras, após o homem ter debandado. Não estava com muito boa cara e anunciou entretanto Eh pá, tenho que ir tomar um cafei retorqui pois, tá muito calor, é mau para a tensão baixa… respondeu ê na dremi nada esta noite… e há becado comecei a ber caga-lumes, caga-lumes, caga-lumes… pensei logo, eh pá isto hoje na tá bem referindo-se aos efeitos da hipotensão, e eu, que hoje não vi caga-lumes, pensei apenas na bênção das manhãs de sol tranquilo na aldeia.
Hoje não me faltou a cidade. Aproveitando a manhã de sol benfazejo, fui ao centro da aldeia. Comprei o jornal e revista semanal, fui ao pão e à mercearia. Maioritariamente mulheres, poucas, deslocavam-se de porta-moedas na mão, com o ar apressado de quem tem almoços para preparar, a casa para arranjar. A dona do café lavava vigorosamente o estrado da esplanada, acompanhada pela filha e sob o olhar atento da dona da tabacaria. Na mercearia encontrei o gerente do restaurante cubano, avisou-me da festa do rum, queixava-se das mulheres, que dão cabo de um homem, que são terríveis, trocou umas palavras com a irmã da dona da mercearia, com quem também eu troquei algumas palavras, após o homem ter debandado. Não estava com muito boa cara e anunciou entretanto Eh pá, tenho que ir tomar um cafei retorqui pois, tá muito calor, é mau para a tensão baixa… respondeu ê na dremi nada esta noite… e há becado comecei a ber caga-lumes, caga-lumes, caga-lumes… pensei logo, eh pá isto hoje na tá bem referindo-se aos efeitos da hipotensão, e eu, que hoje não vi caga-lumes, pensei apenas na bênção das manhãs de sol tranquilo na aldeia.
foto: neptuno
:o)
ResponderEliminarEu não sei se era capaz de me mudar para a aldeia... o sossego, a pacatez, o falar da vida dos outros, a bicharada :P
Sou mto menina de cidade.
Mais uma vez, parabéns pela crônica. Eu me lembrarei dela quando estiver, neste final de semana, na cidadezinha de 7.000 habitantes aonde minha mãe mora há 55 anos. A maior parte dos habitantes mora na zona rural, mas neste sábado e domingo a cidade vai estar movimentada por causa da Festa do Morango!
ResponderEliminarGostei muito de "viver" esta realidade que nunca vivi.
ResponderEliminarBeijos
Janine, obrigada e um beijo enorme :)
ResponderEliminarFantasma, aqui também não há assim tanata bicharada, tirando um sapo que se nos colou ao portão há dois invernos e o gafanhoto que as gata trouxeram para casa um destes dias... há melros lindos, por exemplo. O falar da vida dos outros é relativo, na cidade num prédio as pessoas também falam umas das outras e, muito pior, ouvem-se umas às outras. Não faço vida na aldeia nem frequento os cafés, por exemplo. É muito importante preservar a nossa privacidade.
Aventino, aqui só há 1.500 habitantes, é mesmo um ligar pequeno e é curioso que també, aqui perto há uma aldeia famosa pelos morangos.
Pitucha, esta realidade é divertida e gosto da tranquilidade também, de estar perto de Lisboa e perto do mar :)
Beijos a tod@s
Eu acho que ambas as realidades tem coisas boas e más! Adoro a cidade, mas vivendo eu num sítio que às portas da cidade às vezes parece aldeia, não consigo deixar de me maravilhar com o acordar sereno dos pássaros. Claro que era melhor se as "p***s" das cigarras não se tivessem decidido mudar de armas e bagagens para o pinheiro mesmo, mesmo à beira da janela do meu quarto;))
ResponderEliminarDesculpem a minha dislexia... depois do ida da Ministra da Educação ao Parlamento fiquei ainda mais assustada com quem detém a pasta da Educação neste país :(
ResponderEliminarEu não falava especificamente daí... mas quando me lembro da aldeia da minha avó, na Serra da Estrela, em que toda a gente anda a cuscar a vida dos outros e até eu, só lá indo nas férias, fui vitima de rumores que fazia e acontecia!! Eu sei que na cidade também se fala, sei bem disso infelizmente.
ResponderEliminarMas acaba sempre por se ser um pouco + anónimo. Eu gosto de ir pelas ruas e não ser "obrigada" a cumprimentar toda a gente porque toda a gente me conhece ou sabe que sou filha/neta/prima de xpto. E depois gosto das comodidades, de ter tudo mesmo ao lado, eu que não sou capaz de estar muito tempo sem fazer nada e gosto do barulho...
Quanto aos bichos, estava a brincar e a exagerar :op Mas é claro que quanto mais perto do campo maior a possibilidade de haver aranhas, abelhas, baratas, gafanhotos, formigas, etc e tal.
De qualquer modo, não se pode generalizar. Há sempre coisas boas e coisas más. E temos de tentar ser felizes onde quer que estejamos :o)
Compreendo. Aqui é igual aos outros sítios, por isso não faço vida na aldeia. A diferença é que estamos às portas de Lisboa e veio muita gente de fora, portanto, embora tenha vivido em Mafra, faço parte dos de fora. Aqui querem saber tudo, especialmente os graus de parentesco, de quem és filha, quem é o pai e a mãe...
ResponderEliminarQuanto à bicharada, devo ser mesmo da aldeia porque não me incomoda assim tanto.
Pois eu não me importava nada de estar a viver aí. Calma e traquilidade, com o mar a dois passos e a cidade (Lisboa) a outros dois. Nem sabes é a sorte que tens!
ResponderEliminarSei pois, por isso é que decidimos ficar por cá e por isso gosto tanto de aqui estar :)
ResponderEliminarNo Sábado estava uma praia excelente.
Bjs
hola estupenda foto un saludo
ResponderEliminarObrigada! Un saludo também.
ResponderEliminarOs dois posts anteriores eram spam, por isso foram apagados.
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