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terça-feira, 17 de outubro de 2006

Busca Bóbi

Vai lá tu agora! Não, vai lá tu, repito e suplico utilizando na verbalização os dotes femininos de sedução. A voz meio arrastada, um sorriso meio tímido e de novo a súplica Vai lá… Ele retorna Vá, a última vez fui eu… A cena repete-se sempre que se torna imperativo dar uma gratificação ou gorjeta a alguém. Sendo certo que essa é uma forma de exprimir o agrado ou satisfação por um serviço prestado, a verdade é que sub-repticiamente existe uma demonstração da superioridade de quem recebeu um serviço sobre quem o prestou. Mais fácil é fazê-lo se estiver incluído na conta, mas muito difícil quando se trata de pegar em dinheiro e largá-lo na mão de outrem. Na verdade, a maior parte das vezes acabamos por não o fazer.
Vem isto a propósito de uma alteração no Estatuto da Carreira Docente que prevê que o professor tenha uma compensação pecuniária, caso tenha uma avaliação de Muito Bom. Não sendo permitido que o professor aceda ao escalão seguinte por mérito, mas por restrições económicas e pela existência de quotas que o Ministério insiste em apelidar de controlo da qualidade e comparar grosseiramente com outras profissões, alegando que nem todos podem ser Directores-Gerais, adoça-se-nos a boca com uma esmola, uma gorjeta, uma recompensa bem ao estilo de Pavlov. Enquanto abanamos a cauda e salivamos, o Ministério passar-nos-á a mão pelo pêlo, Lindo, Bóbi! Busca, busca! Deita. Faz de morto, Bóbi. Não tenciono jamais candidatar-me a tal insulto e humilhação. Farei o meu trabalho o melhor que sei e posso para os destinatários legítimos: os meus alunos, nunca para ser recompensada monetariamente desta forma.
A excelência não deve ser premiada com dinheiro numa profissão como a docente, mas sim com respeito e a progressão devida. Nada me adiantará ser uma professora excelente, se ficarei até ao fim dos meus dias à espera dessa progressão, portanto a promoção da qualidade, tal como apregoam, pode ter um efeito perverso. Quem não se esforça, e nunca se esforçou, não o vai fazer agora, uma vez que preenchidos os requisitos ficará a marcar passo até que morra ou se reforme um dos professores titulares. Provavelmente muitos nem lá chegarão, não obstante o mérito comprovado e atestado pelo próprio Ministério. Espera-lhe o limbo dos escalões intermédios. Quem leva a profissão a sério continuará a dedicar-se e tudo ficará como antes, excepto os cofres do Estado e a opinião pública, que dirá que sim, agora nem todos serão Directores-Gerais, como se tal se aplicasse ao ensino, e que agora se nos foram as regalias e privilégios. Resta saber quais e resta saber até quando vamos aguentar a levar porrada*.
Gabriel o Pensador

7 comentários:

  1. Há quem pense que se faz tudo por dinheiro. Ou que com dinheiro se calam vozes inconvenientes e indiscretas... Enfim. Quem é professor porque gosta, por convicção, passa por cima disso e continua a fazer o seu trabalho bem, como sempre fez. Sem reconhecimento....

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  2. Nem mais. O que mais me tem irritado nos últimos meses é a manipulação da opinião pública, as incongruências que dizem e a perversidade do novo estatuto. Por exemplo, para fazer formação tem de ser só em horário pós-laboral ou em período de interrupção de actividades lectivas. Caso haja um congresso, um seminário ou qualquer outra actividade de formação não temos dispensa de serviço, até agora havia um limite de oito dias por ano. Para progredirmos na carreira o currículo vai começar a contar, e isto acho muito bem, mas se não posso ir a seminários ou congressos como me vou formar? Terei de me restringir às acções de formação, que têm sido tão criticadas e com alguma razão, porque, como é lógico e acontece nas outras profissões, há congressos e seminários que acontecem durante o dia. E se não me formar e não tiver currículo não progrido na carreira.

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  3. Olá, também sou professora e, infelizmente, entendo muito bem do que falas. Aqui no Brasil também passamos por graves problemas, somos tratados com descaso e a nosso trabalho não é dado o devido valor.
    Penso que a única saída para pararmos de "levar porrada" é nos unirmos, discutirmos nossa situação e nos posicionarmos de maneira clara.
    Nossa profissão precisa ser bem remunerada, entre muitas razões, porque precisamos estar todo o tempo estudando, em contato com a cultura, o que significa ter dinheiro para jornais, livros, cinemas, teatros, congressos, etc...
    O nosso trabalho precisa ser feito com amor, mas não é sacerdócio nem filantrópico, é uma importante e bela profissão que precisa ter seu valor reconhecido.
    Um abraço,
    Martha

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  4. Olá Martha,
    Nós estamos de greve dois dias em protesto contra as alterações que o Governo quer impor e que vão ser muito penalizadoras para os professores. Em questão está, também, a progressão na carreira, uma vez que querem impor quotas de acesso, o que quer dizer que mesmo depois de o professor ser avaliado e reunir todas as condições não progride na carreira, fica a ganhar menos portanto. Tem tudo ver com dinheiro, quanto mesno pagarem melhor, no entanto, dizem que querem premiar a qualidade e acusam-nos de não querermos ser avaliados e de nada termos feito até aqui. Querem também avaliar-nos através dos resultados dos alunos, se têm boas notas ou más ou se largaram a escola.
    Quanto ao prestígio, nós aqui estamos abaixo de cão, também por culpa de alguns professores que deram mau nome à profissão, mas também porque somos o bode expiatório.
    Beijos

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  5. Avaliar-nos pelos resultados dos alunos para mim é que não faz sentido mesmo! Basta que estejamos numa escola onde as expectativas dos alunos são baixas e nunca mais teremos uma boa avaliação. Detesto isto, detesto a manipulação que tem existido sobre o público... Nas minhas aulas à noite, tenho uma turma de unidades capitalizáveis de 12ºano Geologia. Um aluno (bem mais velho do que eu) virou-se para mim, reclamando indignado porque eu não lhe fazia uns resumos simples da matéria e ele queria fazer exame daí a 15 dias. Queria fazer o 12º todo em dois meses e meio e, eu, chula do sistema, só tinha obrigação de o preparar para isso. Veio com o discurso todo que lemos nos jornais e vemos nos rádios, foi impressionante...

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  6. "Ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma forma continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra. O professor, assim, não morre jamais..."
    Rubem Alves

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  7. Essa é outra das aberrações, Loca, o meu próximo post sobre ensino vai ser sobre uam exepriência que tive no ano passado.

    Belíssima citação, Maria Muadiê!

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