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Na mercearia, as tentativas deram fruto durante igual período de tempo, três anos e dez meses, mas depois de lá ter entrado e eu e a dona, sozinhas na intimidade do carvão e do pão acabadinho de sair do forno, termos trocado impressões e palavras sobre o incompreensível mundo masculino, segredo agora bem guardado entre as cebolas e as pastas de dentes, as castanhas e os queijos frescos e que me escuso aqui de revelar, a ligação entre ambas estreitou-se e a deferência começou a desvanecer-se, como um quadro a óleo repentinamente transformado em aguarela.
Adensou-se tudo isto naquele dia em que, na sapataria, avisto a dona da churrascaria de uma aldeia vizinha, a que recorremos amiúde. É uma mulher talvez pelos trinta, beneficiada pela natureza, casada com um rapaz a quem a natureza não ajudou tanto na embalagem e ambos pais de uma princezita parecida com a mãe. A churrasqueira salva-nos em dias de preguiça absoluta, Sábados, Domingos ou feriados. Lá dentro os presentes vão rodando à medida que os grelhados se aprontam e finalizam e recozendo odores e fluidos em virtude das temperaturas dignas do inferno de Dante. Nada de grandes intimidades mesmo com um braseiro tão assertivo. Uma palavra que se troca, uma observação sobre o tempo ou a criança, o resultado do jogo de futebol, se lá for nos intervalos. A dona mantém a tranquilidade mesmo sob as temperaturas escaldantes e nunca se deu a grandes exuberâncias, ao contrário da dona da mercearia. Contudo, a relação que travamos não mais foi a mesma depois daquele rendez-vous na sapataria. Na vez seguinte que regressei à churrascaria o tu saltou-se-lhe sem qualquer problema e com um à-vontade surpreendente. Há vida além do balcão da churrascaria, descoberta por acaso numa loja de vender sapatos. Certo é que a descontextualização leva a que olhemos as pessoas de forma diferente e que, por vezes, descubramos que a sua existência se prolonga além dos locais onde, por hábito, são esperadas. Acontece com frequência com os alunos quando nos descobrem às compras no supermercado ou a beber um copo na noite. Afinal são humanos, os professores, vivem além dos portões da escola. Fazem compras, comem e bebem, divertem-se como o comum dos mortais.
Ao que parece, a descoberta responsável por esta súbita intimidade deu-se de forma inesperada: os pés. Além de ser professora, morar na aldeia vizinha e rival, comer teclado ou frango grelhado, sou ainda detentora de um par de pés 36 ou 37 dependendo dos sapatos, facto revelador duma igualdade desconhecida até então para a dona da churrascaria e que me colocou de igual para igual ao ponto de poder ser tratada por tu. Os ginecologistas mesmo após nos terem avistado as amígdalas, sem sequer termos aberto a boca, continuam com o tratamento cerimonioso e deferente, portanto nada de mais íntimo do que os pés. Mostrem tudo, se não quiserem ser tratados por tu, mas os pés jamais.
Foto: Neptuno
LOL, bem faço eu que não uso sandálias!
ResponderEliminarBeijos
Podes compara uns novelos de la azul ;-)
ResponderEliminarQuem diria que afinal os pés é que nos guiam... ;o)
ResponderEliminarEna... a minha ginecologista não me escancara DESSA maneira;) Vê quanto muito a boca do estomago!
ResponderEliminarÉ, a mim, quem me mexe nos pés é porque me pode chegar ao resto do corpo todo, não é para qualquer um!
lol, Patrícia!
ResponderEliminarEu cá sinto-me devassada... ;-)