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segunda-feira, 18 de dezembro de 2006

Geração Patinhas

Nesse dia a minha mãe estava indignada. O filho de uns amigos nossos, quase família, teria feito anos e, tendo recebido imensas mensagens de felicitações pelo aniversário, não respondeu a uma, uminha sequer. Para a minha mãe coisa assim roça a falta de educação. Onde é que já se viu? Mas o rapaz tinha uma razão plausível para este acto. Onde é que já se viu mas é, gastar tanto dinheiro e na hora fez as contas: x sms a y cêntimos tornar-se-iam uma quantia astronómica e incomportável mesmo para quem vive sem qualquer preocupação financeira.
O meu afilhado homem que tem agora uma dezena de anos ficou comigo num dia do passado recente. O irmão não parava de lhe enviar mensagens e embora tenha respondido às duas primeiras sem refilar, as restantes foram acompanhadas pela verificação rigorosa e em tempo real de quanto estava a gastar Olha, já gastei x cêntimos… Olha já só tenho x euros! Quando o irmão chegou ao pé de nós, atirou-lhe recriminador Olha o que me fizeste gastar! Tinha seis euros e setenta cêntimos, agora só tenho cinco euros e noventa. A minha vizinha do lado comentou há pouco a mesma característica no seu filho mais novo. O dinheiro é contado e escrupulosamente guardado ao cêntimo, nada é gasto sem razão.
Numa destas semanas, precisei de facultar o meu número de telemóvel às minhas alunas. Fi-lo pela primeira vez na vida, mas a verdade é que, depois de muito ponderar, concluí que iria simplificar substancialmente a comunicação necessária em virtude de um projecto desenvolvido em comum. Enviei-lhes uma mensagem e que resposta recebi? Nenhuma, zero, nicles. Certo é que a comunicação não carecia de resposta, mas que tal um obrigada, por exemplo? Quando as questionei sobre a recepção da mensagem e concluí que todas a haviam recebido sem piar, repreendi Então e não sabiam responder? O meu reparo foi recebido com apreensão Setora, o telemóvel da setora é um 96… Repondi A quem o dizem! E o vosso um 91! Riram-se meio envergonhadas e ficámos por ali. Passado uns dias na aula, e uma vez que se aproximava o teste, uma delas veio ter comigo para que lhe tirasse umas dúvidas. Abeirou-se de mim e após uma explicações sobre a dolorosa gramática alemã solicitou-me que lhe escrevesse no caderno as ditas. Recusei a princípio, argumentei que desde o décimo ano que andamos a falar daquilo, que o teria já escrito inúmeras vezes. A C. não se deu por achada e continuou Vá lá, setora! Fica com a sua letra… Claro que os professores são, por vezes, um pouco como os pais e têm dificuldade em resistir a uma choradinho bem feito, à voz melada e a expressão franzida dos rostos imaculados. Saquei do lápis e ao centro da página, com letra bem legível e redonda e deixando uma linha de intervalo, escrevi:


Grundstellung = Ordem directa
Umstellung = Ordem Inversa
Endstellung= Ordem Transposta

A C. elogiou-me a letra e, imediatamente após, soltou um reparo acusador Ó Setora, gasta-me a folha toda! Retorqui Forretas! Mas que coisa, meninas! Elas riram-se e, de seguida, a C. desenrolou o rol de tarefas que leva a cabo para não gastar dinheiro. Fiquei impressionada. No futuro, esta geração vai ficar na história como a que conseguiu sobreviver ao efeito Sócrates. Se se paga taxa moderadora apenas nos primeiros dias de internamento, os pais ficarão meses a fio no hospital certamente. Filhos desta estirpe serão até capazes de administrar um laxante aos progenitores e familiares para prolongar a estadia nas instalações hospitalares. Antes isso do que esbanjar dinheiro sem necessidade. Onde é que já se viu gastar tanto?

5 comentários:

  1. Estou espantada. Não tinha a menor noção desta realidade.
    Se calhar porque a minha afilhada, o único ser nos seus teens com quem vou tendo algum contacto, conseguiu gastar 30 euros em chamadas/sms em dois dias, quando esteve aqui em Bruxelas há um ano. E ainda teve a lata de fazer chamadas para telemóveis portugueses a partir do meu telefone fixo sem me dizer uma única palavra.

    Mas agora que penso melhor no assunto... É verdade que uma vez me recusou uma chamada para não gastar roaming. Num momento em que, por acaso, eu estava a telefonar-lhe porque não sabia onde ela estava, o que fez com que lhe fosse aplicado o devido raspanete.

    Oh, céus!!! Ainda bem que o meu Migas ainda só tem quatro anos. Mas não me passa pela cabeça aonde irei buscar paciência para o aturar quando ele for teen-ager. Como é que tu fazes?... :)

    Beijolas.

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  2. Olha, esta é nova para mim, e sabes que te digo?? Ainda bem! Tu já viste bem o dinheiro que actualmente os adolescentes gastam em telemóvel? é uma coisa nova e sem comparação com nada que tivessemos no nosso tempo. E deve ser uma boa soma ao fim do mês. Se cada um só tem x para gastar por mês acho bem que se escusem a mensagens irrelevantes;))
    O conceito de mensagens irrelevantes para eles é que é "ligeiramente" diferente do nosso!

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  3. Nunca pensei que os nossos adolescentes fossem assim, também estava convencida que gastavam tudo o que têm e quando acaba, pede-se mais aos pais! Antes serem poupadinhos :)
    Já eu é díficil resistir a não responder a uma sms, mas chega a um ponto que alguém tem de parar ;)

    E quanto á tua letra, concordo, é mto gira e se fosses minha "setora" também queria que me escrevesses no caderno...

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  4. LOl
    Já conhecia esta geração, a filhota dos meus vizinhos é igual. Se estiver a gastar o dinheiro dos pais, não se preocupa nada, agora quando é a mesada dela... :-)

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  5. Carlota, acho que acima de tudo é preciso gostar, a paciência vem daí. Divirto-me com estas coisas porque não são inconvenientes ou mal-educadas, são apenas traços distintivos. Beijocas

    Patrícia
    Estes adolescentes só não querem gastar dinheiro do deles... o dos outros não há problema. Não é uma questão de serem organizados, é mais de serem egoístas, obviamente porque assim foram habituados e ninguém lhes ensinou a serem mais generosos. Já sabes, compra já um porquinho de barro para o teu pequenote ;-)

    Obrigada, fantasminha.

    Nem mais, Flor!

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