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quarta-feira, 28 de março de 2007

Fechando o Verão

Primeiro o impacto das rodas na pista, o batimento cardíaco levemente acelerado e ainda a dúvida. Será? O corpo moído, os olhos morcegos habituados a onze horas de ausência da luz solar e, finalmente, ar livre e rua. A Cidade Maravilhosa amanhecera não havia muito. Talvez por isso tenha tomado por natural uma certa neblina. Certo é que raros são os postais reais e imaginários do Rio de Janeiro onde o céu e o mar não são assustadoramente azuis e belos, o verde, o contraste perfeito e o Cristo Redentor, pacífico e sereno abraçando a cidade lá em baixo, intocável, impassível perante a vida dos homens turbulenta tão abaixo do seu pedestal inabalável. Neblina, porquê, então? E depois rumámos pela Linha Vermelha para a Zona Sul. Pela janela, ia procurando. Nada. E depois no hotel a conversa para casa e a pergunta facilmente adivinhável E O Cristo, Já viste o Cristo? Não, o tempo está meio cinzento. De tarde, a neblina adensara-se, o tempo fechara completamente e o postal do Rio que lentamente se desenhava à minha frente adquiria tonalidades cinzentas, salpicadas pela Mata Atlântica, uma bruma obstinada mais translúcida, a espaços, como um véu a envolver o Cristo Redentor. Outras cores diferentes das que fui acalentando ao longo de décadas. O castanho do eencavalitado de casas morro acima. Nos três dias seguintes chuvas, a pergunta de sempre, e nos três dias seguintes a descoberta e a certeza que, mesmo com chuva, a cidade jamais sairá beliscada e adquire uma aura de mistério e serenidade. Da janela do quarto, o Calçadão e o mar revolto, o Tóni dos Cocos recebendo a sua carga diária bem cedinho pela manhã, os cariocas ainda assim usufruindo a cidade que é deles, uma peladinha de final de tarde, um jogging, uma água de coco debaixo do chapéu, outrora de sol, agora de chuva e o camelô que guardara sua mercadoria. Chuva, o meu Rio tinha agora chuva. Tornara-se mais nostálgico, enlaçado na melancolia dos trópicos, salpicado daquelas teimosas águas de Março que descolorindo a cor vibrante do meu postal imaginário, o preencheram melodiosamente com a voz de Elis avisando que estavam fechando o Verão.


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