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sexta-feira, 20 de abril de 2007

Algo está mal

A quinta-feira ao fim de tarde convidava à indolência do dever acabado de cumprir. O dia quente ainda, o ocaso ainda longe, e a sala de professores finalmente tranquila depois do toque de entrada. A conversa entabulou-se displicente na proporção certa do momento de merecida descontracção. Duas quarentinhas, eu incluída, e um professor de Educação Física cuja idade desconheço nem consigo avaliar com precisão mas que certamente se colocará para lá das três décadas de vida. Aos quarenta anos as conversas são como as adiposidades: concentram-se nas ancas e, portanto, cada uma se queixou à medida das mesmas. Ai isto, ai aquilo, mas tu assim, mas tu assado, e no ginásio isto e depois a conversa de sempre o que não gostaríamos de ter, coisa que me parece também típica desta faixa etária. Resignadas com a força da gravidade e o bolo de chocolate que se agarrou às coxas que nem lapa, o que queremos mesmo é não ter: não ter celulite, não ter pneus, não ter estas protuberâncias nas coxas que nos atiram para um tamanho de calças acima, não ter rugas. Não ter, portanto. O colega de Educação Física, não se sabe se apenas por cortesia, foi lentamente convencendo as presentes que enfim, exercício era fundamental e necessário para uma vida saudável, mas que certamente o corpinho dos vinte não era o dos trinta, o dos trinta igual ao dos quarenta, que as condições de vida mudam, as pessoas têm outro hábitos e por aí fora. Muito simpático e sensato, coisa rara nos dias que correm. Depois foi dando exemplos e dizendo que os corpos muito cuidados são por vezes resultado de uma vida diletante, em que o tempo abunda, outros recursos provavelmente também. As figuras que surgem nas capas de revista tomaram a conversa de assalto por instantes. Nesta fase, já tinha arrumado os livros junto à mala, preparava-me para sair e neste mesmo instante rematei que já tinha, por acaso, visto a personagem em causa na praia e que tinha uma cor amarelenta nojenta, cor de morto, pardacenta. Nisto entrou uma outra colega e sem mais perguntou Estás a falar da Ministra? Há vida para além da Ministra respondi e com esta aconcheguei os livros junto ao corpo, a mala pendurada no ombro e despedi-me do dia no local de trabalho. Na verdade, o que disse é exactamente o que quero dizer, há vida para além da ministra, há vida para além do canudo do Sócrates, e essa é muito mais importante e gratificante do que aqueles dois cromos que assolam os sonhos e pesadelos dos professores e portugueses. Quando assim não é, algo está mal, muito mal.

12 comentários:

  1. Entendo perfeitamente a conversa e olha que nos trinta's também já se tem. E aqui que ninguém nos ouve, acho que a senhora professora está muito bem! Melhor que eu! Vidas... ;)

    Há sem dúvida vida para lá desses personagens. Por exemplo, temos de combinar um jantarinho de "retribuição", só ainda não sei se dá para ser antes do casamento :)

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  2. Obrigada pelo elogio, és uma querida!
    O jantarinho pode ficar para depois, claro, assim até vemos as fotos do casamento e da lua-de-mel.
    Beijos super-noiva ;-)

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  3. Há sempre vida para além dos temas que nos stressam no dia a dia, ministra ou assinatura do Director-geral...
    Bem-visto
    Beijos

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  4. Nunca isso foi tão verdade na minha vida. É que já não posso mais com aqueles dois.
    Beijocas aqui do cinzento de Mafra :-)

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  5. E haverá vida para além das adiposidades?... Mas sem elas?...
    :D
    Bom fim-de-semana, Papalagui!

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  6. Certamente!
    Mal de mim... era tão mau como ter a ministra a rondar :D
    Beijocas e bom fim-de-semana

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  7. Essa das conversas serem como as adiposidades é de génio. Como tu sabes (d)escrever bem, mulher!

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  8. E um elogio assim vindo de ti é de ficar tão mas tão babada, mulher! Bom fim-de-semana

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  9. Também sempre achei que a verdadeira luta da minha vida, aquela em que mais me empenhei, sempre foi contra a barriguinha dos trinta e picos do que contra o Estado.Prioridades ;)

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  10. Concordo plenamente, há vida para além daqueles dois (e mais!) cromos! Gostei imenso de ler esta 'crónica da sala de professores'. O PC, no meu caso, está a contribuir para hábitos sedentários que não queria ter. Por isso tenho andado menos por aqui, tentando fazer mais umas caminhadas, para ver se o bolo de chocolate não se agarra lá aos tais lugares errados :-D
    Bjinhos.

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  11. lol, Carlos, não é tanto em alternativa no meu caso. A estória serve apenas para ilustrar o ambiente que se vive actualmente. Se se falar de alhos lá vem a minsitra, se se abordarem bogalhos, ela também não pode faltar. É certo que este estatuto é altamente penalizador para a nossa vida profissional, mas recuso-me a deixar que isso tome conta da minha vida como se fosse o início e o fim de tudo.

    Milucha, também me queixo do mesmo. São demasiadas horas aqui sentada, por isso, inscrevi-me num ginásio para equilibrar, mas supseito que o malvado do bolo de chocolate seja para ficar...
    Beijos e bom Domingo

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  12. Há pessoas demasiado obcecadas com as preocupações do dia a dia, que não são capazes de disfrutar a vida.

    Saboreia o bolo de chocolate, mas diverte-te também no ginásio. Para além da questão estética, o exercício fisico descontrai a mente!

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