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segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

No smoking

He causeth the grass to grow for the cattle, and the herb for the service of man.
Psalms 104:14


O Joseph, por exemplo, o Joseph era rapaz apara concordar com a lei n.º 37/2007 de 14de Agosto. Fumar? Que é lá isso? Chega para lá, ó malcheiroso. Nine Miles, umas dez da manhã. Sabe-se lá, em tempo de férias, que horas são, que dia é, a única referência temporal é a proximidade do dia de partida, o afastamento do dia de chegada e o sol nascente e poente. Tudo o resto são momentos de indizível prazer e evasão. Sabe-se apenas, dizia então, que o dia começara cedo, com um céu absurdamente azul e límpido, uma acalmia retemperadora no Caribe, sem turistas, veraneantes, animadores de hotel, apenas as gadanhas do limpa-areias desenhadas em arabescos no areal minúsculo, o murmúrio suave do mar na areia e o mar espelhado reflectindo as linhas de ouro que o beijavam ao de leve.
Pela quantidade de caminho trilhado de Negril, na costa oeste da Jamaica até St. Anne e Nine Miles, teriam passado umas boas horas. Algum sono pelo meio, muitas ravinas, muitos quilómetros percorridos nas estradas estreitas e esburacadas, muita vegetação e pequenos-almoços inevitavelmente regurgitados depois, a casa de Bob Marley estaria a romper a qualquer momento. Quando finalmente chegámos ao local de descanso final do grande rei do reggae, Robert Nesta Marley, e também local de inspiração de temas que me acompanham desde a adolescência, o sol estava alto e impiedoso, no zénite. O calor húmido entrepunha-se como uma película invisível entre o corpo e a roupa. Primeiro à direita, a escola fundada por Cedella Marley, depois o estacionamento num local preservado da curiosidade local e por fim, o momento que terei esperado toda a minha vida, mesmo sem o saber. A casa onde Bob Marley viveu, onde nasceu e onde descansa encontrava-se à minha frente.
À nossa espera estava Joseph, jamaicano, rastafari. Um homem de nariz largo, olhos negros e barba, com uma t-shirt alusiva ao lugar e uma boina com as cores da religião rastafari. Seria o nosso guia por aqueles momentos que afinal me pareceram tão fugazes. Após o cumprimento respeitoso Respect de punho fechado com os nós dos dedos a tocarem-se e os sapatos tirados, as solas dos pés bem assentes no solo escaldante, entrámos na casa. Primeiro a cama que partilhou com Rita cantada no imorredoiro Is this love, a almofada de pedra em Mount Zion, onde a inspiração surgiu, ponto eleito para a meditação do profeta do reggae, e, por fim, o local do descanso final. Dizia Joseph que lá dentro repousa Bob Marley com a cabeça virada para o sol nascente, iluminado aos primeiros raios de luz que atravessam o mausoléu pela estrela de David, a sua guitarra e o charro His joint, mon. A canícula no auge era apenas atenuada pelo canto das crianças do lado de fora da cerca, o coro perfeito para a banda sonora que Joseph ia trauteando à medida que passávamos pelos locais imortalizados nas letras e músicas de Bob Marley. A visita chegava ao fim, tão breve, afinal e, para a finalizar, que tal um cigarrinho? Vou fumar um cigarro, ouviu-se. Enquanto se tomava o momento de descontracção longe dos restantes visitantes, Joseph desabafou peremptório e sem cerimónia I don´t smoke! Tendo em conta que faz parte da religião rastafari fumar marijuana e não fumar tabaco nem beber álcool ou comer carne, saiu-me sem querer You don´t smoke cigarettes then… Joseph confirmou tudo. Replicou que não, não fumava tabaco, No cigarretes, mon! que era veneno, que fazia mal, e que não gostava do cheiro mas adiantou sem reservas But I smoke ganja for 31 years now, ufano e triunfante. O Joseph, dizia eu, era rapaz para concordar a lei n.º 37/2007 de 14 de Agosto.


Nine Miles, Jamaica
foto: minha

4 comentários:

  1. Esta mania de fazer sonhar as pessoas tem de acabar. ;)

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  2. Queres matar aqui o povo, de inveja????? Olha que estás quase a conseguir!

    Texto delicioso, como de costume. Não conheço a Jamaica, mas espero não estar "waiting in vain" para lá ir um dia, porque também quero "satisfy my soul"... Do Bob Marley gosto muito, claro.
    Bjs

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  3. Escrito tão bonito ... quase senti o calor do sol no zénite (ainda que apenas provavelmente) e o olor da ganja ... Is this love - is this love - is this love -
    Is this love that I'm feelin?
    ... a cadência da música nas tuas palavras levou-me ao caribe ... e à Jamaica onde nunca estive!

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  4. Obrigada.
    Passei a ouvir Bob Marley de forma diferente depois de ter ido à Jamaica. É impressionante o percurso dele até se tornar no ícon que conhecemos. Gostei muito de lá ter estado e, à medida que o tempo passa, gosto ainda mais.

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