A ela não interessava aquela parte da história. A ela interessava a estória da história. A história em que o rei tinha pegado nele e na corte, dez mil almas, estima-se, e com o tesouro, o ouro, a tralha e a traquitana atravessado o Atlântico para se instalar na mais rica colónia do Império. A ele não. Qual Brasil, qual calor, qual corte? A ela interessava a ideia romântica e divertida de ver a corte de Dom João VI passear-se nas farpelas circunspectas da Europa, desajustadas à canícula tropical, Rio de Janeiro afora. Disparates. Efabulações da mente feminina prenhe com vestidos de princesa. A ele interessava a guerra. A guerra era o que lhe interessava. Napoleão e o Império. Ela imaginava o Paço Real no Centro e o burburinho que se foi instalando na Rua do Ouvidor, porquê nem sabia, a mania da Rua do Ouvidor, mas essa era a parte que lhe interessava. A ele não. A ele interessava o Junot e o Massena, como vieram desenfreados Europa abaixo na conquista do Império. A ela interessava o Jardim Botânico, criado com enlevo pelo monarca, o beija-mão colorido com as paletas da diversidade brasileira, negros e brancos e mulatos e índios, o que restava deles. A ele interessavam as fardas e uniformes, os torços cobertos com alamares criando ziguezagues no peito e, enquanto vibrava com a progressão no terreno e a pompa dos uniformes, ela ria-se com Carlota Joaquina careca, despojada de trunfa e qualquer pilosidade capilar em virtude dos piolhos que lhe atacaram a cabeleira na travessia do Atlântico. A parte interessante da história dele acabava quando começava a dela e a dela não tinha uniformes nem guerra, a dele não tinha Brasil nem novos mundos. Dois caminhos paralelos sem nunca se tocarem. Quando ele chegou esbaforido com Junot ela aportava refeita da travessia tormentosa na baía de Guanabara. Não há estória com tanta história pelo meio.
... e a mim interessam-me as tuas histórias, assim com tiradas destas interessava o Jardim Botânico, criado com enlevo pelo monarca, o beija-mão colorido com as paletas da diversidade brasileira, negros e brancos e mulatos e índios
ResponderEliminar:))
:) uma estória cheia de história, afinal de contas.
ResponderEliminarAinda bem Sinapse :-)
ResponderEliminarVerdade, Ana :-)