Rapariga calma e tranquila no que respeita às alterações recentes da Carreira Docente tenho dado por mim deprimida e soturna quando, terças e quintas pelas dez horas da noite, regresso ao pátrio lar, empanturrada de legislação, o estômago em convulsão com o eduquês indigesto, palavras e nacos de prosa herméticos pesam-me como pedras, nem com pastilhas rennie lá vai, para a próxima recorro aos sais de fruta, e inquieta com algo que terei de fazer em breve: definir objectivos pessoais. De tudo o que tenho feito na vida, pouco me pareceu tão disparatado, aberrante, anormal e, há que dizê-lo com frontalidade, estúpido. A tónica que está a ser posta nos professores perverte por completo o espírito da profissão, quando comecei a dar aulas não pensei jamais que tivesse que me preocupar tanto comigo, com os meus objectivos, com a minha avaliação, com o meu portfólio. Os objectivos economicistas do governo, desengane-se quem pensa que tudo isto é para melhorar a qualidade, estão imbuídos de falta absoluta de articulação com os objectivos de um ensino de qualidade. Quem pensou nos números não previu que, com a implementação deste sistema, pouco tempo sobrará aos professores para se dedicarem aos seus alunos. A burocracia não acaba, reuniões com o Presidente do Conselho Executivo para a negociação dos objectivos pessoais, previamente definidos por cada um dos professores, aulas a serem observadas depois ou antes das aulas do avaliador, portfólios para organizar, papéis, papéis e mais papéis que servem apenas para satisfazer a opinião pública, granjear votos junto do povo sedento de sangue no circo romano, deitemos pois os professores aos leões, e poupar muito dinheiro. Depois de tudo isto, pergunto-me o que sobrará de nós, o que sobrará de nós para dar aos alunos.
Ontem em conversa com a minha mãe, reformada do ensino pela graça de deus depois de uns quarenta anos de serviço, fui-lhe contando grosso modo as alterações em vigor, as tais que visam pôr o professorado, essa cambada indigente e proxeneta do Estado, na ordem. Assim sendo e perante a ausência total de eleições na Escola, agora nomeia-se, de preferência em segredo, critérios ausentes, e as observações de aulas que faremos uns aos outros, entre outras manobras de diversão, ela exclamou Estão exactamente como no tempo em que comecei a dar aulas. O Director mandava, o meu primeiro horário foi-me entregue pelo contínuo e os inspectores entravam-nos na sala quando queriam. Fiz levemente contas de cabeça. No tempo do Salazar, portanto. Respondeu-me Pois, claro. Para bom entendedor uma inicial basta: S de Salazar, S de Sócrates.
Ontem em conversa com a minha mãe, reformada do ensino pela graça de deus depois de uns quarenta anos de serviço, fui-lhe contando grosso modo as alterações em vigor, as tais que visam pôr o professorado, essa cambada indigente e proxeneta do Estado, na ordem. Assim sendo e perante a ausência total de eleições na Escola, agora nomeia-se, de preferência em segredo, critérios ausentes, e as observações de aulas que faremos uns aos outros, entre outras manobras de diversão, ela exclamou Estão exactamente como no tempo em que comecei a dar aulas. O Director mandava, o meu primeiro horário foi-me entregue pelo contínuo e os inspectores entravam-nos na sala quando queriam. Fiz levemente contas de cabeça. No tempo do Salazar, portanto. Respondeu-me Pois, claro. Para bom entendedor uma inicial basta: S de Salazar, S de Sócrates.
Querida Leonor, não sou professora, mas conheço razoavelmente o novo regime de avaliação de professores e julgo que, pelo que também ouvi a uma tia minha que deve ser contemporânea da sua Mãe, a comparação se resumirá à observação das aulas. O processo actual é muitíssimo mais burocrático e consumidor de tempo. E o esquema que chamam de «avaliação inter-pares», propiciador de infinitas tensões. Estes diplomas são gizados nas profundezas dos gabinetes ministeriais, por legisladores que, além de pouco sensibilizados para a coerência legislativa – se calhar, falta-lhes conhecimento para poderem ter essa sensibilidade – estão bastante desfasados das realidades. Constroem, assim, grandes torres normativas, pesadas e labirínticas, que a prática acaba por revelar inexequíveis. Dir-lhe-ia, portanto, para não se ralar muito, Leonor. Acho que é inevitável que se simplifique, e que as escolas vão deixando no seu rasto bocados de lei incumprida. No final, poderá subsistir alguma preocupação de controlo das quotas, mas nada mais. :-)
ResponderEliminarA comparação com o tempo da minha mãe serviu apenas para estabelecer o paralelo com o fim da democracia nas escolas, cara Luisa. As diferenças são obviamente muitas mas com o novo regime de gestão temos de novo o director que põe e dispõe de acordo com as suas 'conveniências'. Quanto ao resto, há muito tempo que assim é, quem legisla e quem governa tem desconhecimento absoluto da realidade. O novo sistema de avaliação é absurdo pela carga burocrática inútil e inane com que vai sobrecarregar os professores. Irrita-me muito pensar tanto em mim e ter de olhar para o meu umbigo. Não me parece que a simplificação deva ser a solução, será como cada qual a entende e mais uma vez geradora de injustiças. Cabe ao Ministério criar leis exequíveis de forma a que o Ensino mude. Assim sei que não vamos a lado nenhum. Não me preocupo muito, até aqui tenho andado tranquila mas chegou ao ponto de ter que me preocupar e não ver tempo útil para fazer tudo.
ResponderEliminarBeijinho
Como eu te percebo...
ResponderEliminarNo meio de tanto papel*, com 7 turmas, 4 níveis e com 26 horas lectivas eu só gostava de saber quando é que me vai sobrar tempo para preparar aulas que é a única coisa que verdadeiramente me interessava...