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sexta-feira, 17 de julho de 2009

Certas e determinadas coisas

Sou rapariga que gosta de trabalhar, não me imagino em momento algum sem trabalhar, não nesta fase da minha vida e seria incapaz de viver à mercê da generosidade marital mas quando vejo finalmente um pouco de sossego e de descanso deste ano infernal que está a passar, transformo-me numa outra mulher. Foi o que aconteceu hoje, quando pela manhã, de corpo descansado e alma aliviada rumei ao supermercado para as compras habituais.
Assim que entro sou brindada com o “Público”, que esta sexta-feira tem a maior ratoeira para mulheres sensíveis como eu, não sensíveis assim no abstracto. Como se sabe às vezes tenho uma couraça impenetrável e nem sempre sou sensível a queixumes e desgraceiras, mas sim sensível a certas e determinadas coisas, como diz o povo, e nessas certas e determinadas coisas inclui-se o Chico. Ora, o Chico que em novo nunca me despertou grande interesse a não ser pelas canções, tornou-se agora nesta idade interessante o mais charmoso dos sexagenários. Os olhos, ai aqueles olhos, os livros, cruzes credo, agora deu-lhe para escrever, e aquela complexão magrizela e displicente dão cabo de mim. No Chico há aquela fragilidade aparente, no olhar aquela súplica miudinha que arrasa as mulheres de couraça como eu e a impassividade, meu deus, a impassividade geminiana masculina quase fleumática que faz rombo no bicho de coração empedernido que me assola amiúde. Foi também por isso que a manhã hoje não foi a mesma.
Pousei com cuidado o jornal na horizontal no fundo do carrinho de compras, não fosse acontecer-lhe algo e fui-lhe deitando um olho. Ele também me deitava um olho, os dois na verdade e insistentemente. Quando fui ao sal para a dourada, coloquei-o cuidadosamente sobre o jornal tapando-lhe a boca e os olhos fitaram-me ainda mais no cinzento do jornal. Ai Chico Chico. Depois fui às cenouras que coloquei cuidadosamente no outro extremo, bem como o pack de seis garrafas de água. À medida que as compras se avolumavam a minha preocupação crescia. O Chico, contudo, mantinha-se impassível com aqueles olhos que se lhe conhecem. O busílis foi quando no peixe me deram a dourada e as sardinhas todas besuntadas, e vi o saco molhado e com o cheiro intenso do conteúdo perigosamente dependurado nas minhas mãos. E o Chico? paniquei. Acha que vou pôr este peixe por cima do Chico? pensei. A empregada encolheu os ombros e gritou NOVENTA E TRÊS, indiferente e até provocadora. Ciúmes cá para mim, bem vi o olhar de soslaio para o fundo do meu carrinho. Resolvi o problema metendo o peixe num saco extra. Havia que proteger aqueles olhos cristalinos que me fitaram no périplo matinal e preservá-los de toda e qualquer conspurcação, talvez me cantassem quando chegasse a casa Quando eu chego a casa nada me consola …, você é tão bonita… Eu quero ir-me embora. Eu quero é dar o fora E quero que você venha comigo.
Há certas e determinadas coisas que não se deviam negligenciar. Dia em que o Chico aparece na primeira página de jornal é sinal de alerta nacional, como se os UVB estivessem muito altos ou o calor excessivo. Devia até ser feriado para o mulherio contemplar religiosamente aquele olhar nostálgico e límpido.

8 comentários:

  1. O Chico... pfff!... os olhos do Chico, a voz do Chico, ai que ele escreve tão bem, ó como ele é bonito e charmoso, ai não ponha os ovos em cima do Chico... pfff!... vá-se lá entender as senhoras...

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  2. Eu confesso que não o acho (assim tão) charmoso... confesso que não me encanta enquanto exemplar masculino. Em termos de sexagenários, acho, por exemplo, o Caetano bem mais sensual...
    mas conheço várias senhoras que há anos se babam pelo Chico; todas delirando com aqueles olhos azuis...
    Mas o post está delicioso, Leonor!

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  3. Bem-vindo, Kruzes Kanhoto e obrigada :-)


    Entender as senhoras permanecerá um mistério, Mike ;-)
    LOL

    O Caetano tem algo efeminado que me desagrada, mas sim, Maria, é um charme. Na verdade se é para ser alguma coisa, então é mais Gianechinni :)))

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  4. Leonor

    Já nem tenho palavras para dizer do Chico. Ainda bem que a Leonor disse tãaaaooooo bem! Parabéns.
    Quem sabe o Chico passa por estA Curva da Estrada?

    :))))

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  5. Era bom que ele aqui passasse par eu lhe dizer certas e determinadas coisas, Maria do Sol :-)

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  6. LOL, Mike, isso pareceu-me um bocadinho dor de cotovelo... ;o)

    O post está delicioso, L., eu também sou mais Gianechinni que Chico, se bem que não há dúvida que os olhos são lindos :)

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  7. Pois também estou em concordar contigo, fantasminha ;-)
    Quanto ao resto, cada um no seu lugar e mais não posso dizer... ai ai

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