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segunda-feira, 20 de julho de 2009

A importância do nome

Suponhamos que o Manel faz uma viagem. Como todas as viagens, a viagem do Manel tem algumas peripécias. O Manel arruma a viagem na gaveta mas vinte anos depois e porque se lhe atravessa ao caminho uma fotografia da mulher que o acompanhou nesse périplo lembra-se de escrever umas coisas. O Manel acha a viagem engraçada com ingredientes suficientemente intensos para tornar a estória atraente, sente-se em dívida com a mulher que o acompanhou, é atacado por uma nostalgia súbita e neste embalo envia o manuscrito da sua aventura às editoras. O Manel, coitadito, é apenas o Manel, sem apelido, padrinhos, amigos, alguém que dê uma palavrinha a alguém, um toque só para ver se pega e, por conseguinte, tempos depois começa a receber cartas das editoras. Que não se enquadra nos critérios editoriais, que não podem encarar a respectiva publicação, que não são a editora indicada para a apreciação de narrativas curtas, que têm a programação editorial muito preenchida. O Manel arruma os manuscritos na estante, outros rasga-os furiosamente e coloca-os com grande dever cívico no ecoponto azul e outros oferece com uma dedicatória aos amigos, em tempo de crise há que poupar nos presentes. E partiu à sua vida.
Ora se o Manel de chamasse, digamos, Miguel Sousa Tavares tinha o assunto resolvido e podia publicar este novo género de quase romance, a tal narrativa curta, contando uma das suas aventuras ao deserto com uma mulher com quem aparentemente teve um relacionamento amoroso e que morreu entretanto. No teu Deserto é apenas isso: um devaneio, sem grande qualidade de escrita. O texto está cheio de lugares-comuns, a noite estrelada a tempestade da areia, o desenrascando luso, o silêncio do deserto, uma mulher convenientemente loura que já se sabe resulta muitíssimo bem em países árabes como moeda de troca por cáfilas de camelos. Muito inferior a Sul, Não te deixarei morrer, David Crockett ou a Equador, o livro não traz qualquer novidade. Servirá apenas o voyeurismo dos leitores e ocupará uma boa parte de uma lânguida tarde estival, há sempre que não goste de leituras pesadas no Verão. Miguel Sousa Tavares já mostrou que é capaz de bem melhor. No teu Deserto só viu a luz do dia porque o seu autor é quem é. Se fosse o Manel, por exemplo, nunca passaria da intenção e muito bem.
Também no Delito de Opinião

8 comentários:

  1. não consegui acabar de o ler.
    é mesmo isso, a importância do nome.
    :)

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  2. Também ainda não me atrevi a ler, e logo eu, que leio muito... beijos

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  3. não li, se calhar se me passar pelas mãos até lhe dou uma olhada... não gostei do equador por aí além, por isso suponho que não me vá deliciar com mais este. Mas não é por isso que te estou a escrever, é para deixar aqui, a ti e ao teu post o seguinte comentário:
    Clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap... na mouche!

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  4. Eu li-o por acaso. É rápido e indolor :)

    Obrigada, Patrícia :-)

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  5. Obrigada pelo aviso, Leonor. Já o Rio das Flores me decepcionou ligeiramente. :-)

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  6. De nada, Luísa, mas se tem curiosidade, leia. Os livros são como os destinos de viagem: óptimos para uns e péssimos para outros. Pode até gostar. Não acredite tanto em mim :-)

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  7. Não li este ainda, mas gostei muito do Sul e do Equador. Já o Rio das Flores ficou a menos de metade, não tive paciência para continuar e já não tenho idade para insistir quando não gosto de um livro.

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