Devia ter desconfiado quando, no dia subsequente à compra, fui dar com ele na estante da auto-ajuda, lá para o lado das espiritualidades numa grande superfície. Lá estava altaneiro entre Os últimos dias de Jesus e A Dieta Limão, encimado por Renascer das Cinzas e docemente aconchegado por A sabedoria nossa de cada dia, lado a lado com Conversas com Deus. Devia ter desconfiado logo pelo título, antes mesmo deste encontro de mau presságio.
Rapariga muito descrente e frequentemente indiferente às receitas de felicidade, céptica convicta no que respeita a fórmulas de bem-estar, doutrinações de caminhos zen e que não fala jamais com Deus(es) em língua alguma, senti uma facada traiçoeira quando o vi naquele preparo. Contudo, o que me falta noutras crenças sobra-me em fé numa parte da literatura portuguesa contemporânea e ao vislumbrar um outro livro de Nagib Mahfouz, que julgo não se dar a caminhos esotéricos, na estante abaixo, julguei que o empregado, esse sim zen e na senda do sentimento etéreo e escapadiço chamado felicidade, teria sido enganado pelo título. Estaria pois em paz com a compra recente.
Os autores. Muito mais do que o título, foram os autores que me levaram a comprar o livro. Cerca de metade dos escritores que assinam as dez histórias contam-se entre os da minha preferência. Foi assim que me atirei ao livro sem sequer pensar duas vezes, há livros que compro cegamente apenas pelo autor, e devorei sempre em busca da felicidade as dez histórias. E nada. No término da cada uma esperava o frémito de que se são feitas as prosas sensuais que perduram além do livro. Mas nada. Coisa nenhuma. Dez histórias banais num volume intitulado Em Busca da Felicidade e teoricamente em busca da dita mas que muito pouco contribuem para a felicidade do leitor. Vagueia-se entre um casal a braços com uma mosca no copo de vinho, num fim de tarde numa esplanada à beira-mar, um jornalista em início de carreira em Londres indignado com a xenofobia e uma estória para contar de uma relação que houve, não houve, haverá. Com alguns lugares-comuns, previsíveis e sem conteúdo e/ou personagens dignas de nota. Falta-lhes substância, profundidade, consistência. Apenas as de Lídia Jorge e Pepetela suscitaram algum entusiasmo. E foram-se uns doze euros. A minha intuição estava certa e devia ter dado nota daquele encontro fortuito lá nas espiritualidades, ouvido as vozes em pleno hipermercado e tê-lo devolvido no dia seguinte, argumentando que me tinha sido enviado um sinal do além ou lá de onde se situam essas coisas sem explicação. Ser céptico dá nisto.
Acontece, Leonor.
ResponderEliminar:)
Até fiquei irritada com o raio do livro, Maria do Sol
ResponderEliminarBem, obrigada pelo aviso! Já tinha olhado para ele, nos correios, precisamente por causa dos autores, em especial o JLPeixoto.
ResponderEliminarSe quiseres, empresto-to, fungaga. Até gostava de ouvir uma segunda opinião. Basta dizeres quando.
ResponderEliminarJá leu algo de Miguel Delibes ?? Falecido há menos de uma semana,na sua Valladolid natal,é o meu escritor espanhol de eleição.Tenho todos os seus livros,comprados em saltadas a Badajoz,durante férias em Maiorca e depois enquanto durou a livraria Alcalá,em Lisboa.Ballester chamou-lhe "o maior escritor contemporâneo espanhol".Francisco Umbral,que não era de feitio e/ou elogio fácil,citava-o com profunda admiração. Por cá é quase desconhecido.Não sabem o que perdem.
ResponderEliminarcom amizade