Naquele dia foi diferente. Naquele dia ia bem-disposta, acompanhada duma amiga e, quando lhes dei passagem uns metros antes da passadeira, brincou e disse-me Nós é que estamos erradas… Ora merecem tudo, respondi e rumei para a tarde estival que se adivinhara na tarja de mar brilhante e céu azul. E nesse mesmo dia apaguei por momentos um outro encontro fortuito que distaria daquele um mês apenas. O semblante carregado, a roupa escura e a mágoa tão presente mesmo volvidos quinze sobre a morte do seu filho num acidente estúpido, uma vida de vinte e três anos colhida numa madrugada gélida de um Outubro que havia de se espelhar em todos os meses vindouros dos anos que se seguiram. E estranhamente infeliz naquele dia, questionei Está de luto? Olhou-me com os olhos que eu vira tão bem naquela manhã de Outubro e noutras que se seguiram de sofrimentos mudos expressos apenas no olhar silencioso e respondeu Estou sempre. E recolhi-me nas ausências que me enchem o coração. A vida continua, tento convencer-me.
O momento tão serenamente violento arrumou-me as palavras naquele dia. Mas ouço-as. E sinto-as. Estou sempre. O luto que se instala e que ninguém vê. Os momentos de ausência, do que já não está, a ausência de ti, meu pai, de te contar a vida. E já não são os espaços que deixaste, não o sofá vazio, agora principescamente usurpado por um felino imponente, que como tu, passa pelas brasas, lembras-te? Agora és tu. Agora é chegar aos sítios mais ridículos e pensar O papá é que me comprava pêssegos grandes, ser outra vez a tua filhota, igual se com quatro décadas e meia de vida, a tua filhota sempre, e ficar com a voz embargada, Ridículo, que ridículo, chorar por causa de uns pêssegos. E esconder os olhos com os óculos de sol e engolir as lágrimas. A vida continua, diz-se, a vida continua, eu sei. E rio-me, sou feliz, bem-disposta, arrumadas as lágrimas e varrida a ausência. E sim, é tudo verdade, a vida continuou sem o meu pai, cinco anos volvidos sobre o dia em que a morte o libertou daquela cama de hospital. Há vida, há esperança, há felicidade, mas uma parte de mim ficou de luto, uma parte de mim está sempre de luto, uma parte de mim ficou de luto para sempre.
Para o meu pai.
Para o meu pai.
`É mesmo uma parte do nosso coração estará sempre de luto, como te entendo! beijocas
ResponderEliminarComo te entendo!
ResponderEliminarSinto precisamente o mesmo. Quando não são uns ridículos pêssegos, outra coisa se atravessa sempre no meu caminho. Sempre, sempre.
Um beijinho grande.
Beijo grande, querida Leonor, e abraço apertadinho.
ResponderEliminarlindo, Leonor. É assim também que me sinto.,
ResponderEliminarbeijo
Há sempre uma parte de nós que morre com os nossos, Leonor, e a vida continua, mas truncada. Um beijinho. :-)
ResponderEliminarAs saudades não passam, só se arredondam!
ResponderEliminarUm beijinho Leonor.
O luto pode ser irrevogável, mas as recordações felizes também :)
ResponderEliminarObrigada a todos pelos vossos comentários. É-me muito difícil conviver com a ausência e com a morte.
ResponderEliminarTem toda a razão, R. :)