É velho, é gordo, usa sempre a mesma roupa, só trabalha dois ou três dias por ano, nada que abone em favor dele, nos tempos que correm há que trabalhar muito, estar muito ocupado e cumprir tarefas múltiplas com afinco, velocidade e stresse, muito stresse, tem barba, não apara ou retoca as sobrancelhas e, ainda por cima, como se as características citadas não fossem o suficiente, é míope.
Tem o péssimo hábito de andar permanentemente de barrete, igual se em casa ou na rua, aparentemente não se coíbe de coisa alguma entre estranhos, usa botas altas, o que, embora seja tendência corrente entre o público feminino seguidor dos ditames da moda, não torna o velho gordo a mais elegante das criaturas, alguém que o leve a um fashion stylist, não se lhe conhece outra roupa e desconhecem-se-lhe companhias, femininas ou masculinas. Passa a vida rodeado de animais, razão pela qual, muito provavelmente, é parco em palavras e profere ocasionalmente sons monocórdicos e repetitivos, aos três de cada vez.
Pode ser encontrado com mais frequência a partir de Novembro, embora já tenha sido avistado em Outubro, em Dezembro faz aparições frequentes em centros comerciais, na televisão, em revistas, folhetos publicitários, podemos encontrá-lo em esforços hercúleos pendurado em varandas, parapeitos, paredes de prédios e chaminés, mais uma vez, uma figura nada dignificante e pouco abonatória, teme-se acusação de home jacking, serve amiúde como arma de arremesso, uma ameaça constante à vida infantil, nos dias que correm é crime ameaçar crianças, há que lhes deixar fazer tudo o que lhes passa pela cabeça, e continua tranquilo cumprindo as tarefas costumeiras, ano após ano. O velho tem os dias contados, porém.
O velho é velho, nos dias que correm ninguém é velho. O pobre velho ver-se-á em breve num desses programas televisivos que operam verdadeiros milagres e declaram guerra feroz às imperfeições. Veremos o velho de boca aberta, entrapado com um turbante e, se tudo correr como esperado, teremos um velho que já não é velho, igual a todos os outros velhos que já o foram, e com uma lista invejável de plastias: abdominoplastia, rinoplastia, o nariz rotundo é muito pouco elegante, uma blefaroplastia para um olhar mais jovem.
O velho é gordo. Nestes dias, gordura é um pecado quase tão mau e hediondo como a velhice, dois pontos negativos imperdoáveis, velho e gordo. O velho será submetido a um intenso programa de cardio-fitness com um regime alimentar equilibrado com as percentagens sensatas de hidratos de carbono, fibras e proteínas.
O velho e gordo tem o péssimo hábito de ser transportado por renas, nos dias correntes, ninguém é transportado por renas, sob pena de ser processado pelas organizações de protecção dos animais e o velho adora compras, um comprador compulsivo sem comparação, outra falta reprovável particularmente em tempos de crise. O velho além de velho, gordo e comprador compulsivo tem outra característica inadmissível: a generosidade. Com tudo o resto pode viver-se. A generosidade não. O velho tem os dias contados.
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