Corria o ano da graça de dois mil e dez, vigésimo quarto dia do décimo segundo mês do ano, a vida nem estava a correr muito mal, apesar do atropelamento recente da minha gata sénior, quando abro a máquina de lavar e constato que nada, nadica, rién, nicles. A dita cuja não tinha cumprido a tarefa para a qual fora adquirida há uma década. O coração acelera, cruzes canhoto, o efeito que estes bichos electrodomésticos têm sobre mim, e começo a praguejar furiosamente com os meus botões, capaz de lançar insultos ao animal prateado que me tem dado tanto descanso P*&#a da máquina. Seguem-se os trâmites de sempre A máquina da louça não trabalha! Não trabalha? Não, pifou. Mas pifou como? Não escoa a água. Ai cum caraças. Logo agora. Chama o homem. Qual homem? O da máquina de lavar roupa. Minutos mais tarde. O homem só pode vir na quarta-feira. Quarta-feira? Sim. Diz que tem muito que fazer. E assim voltei aos primórdios. Louça, louça e mais louça, porque, como se sabe, esta malta electrodoméstica é muito caprichosa e dá-se ao luxo de pifar precisamente no único dia em que não devia, exactamente na véspera de Natal. E eis que chega quarta-feira. O homem não pode vir. Diz que tem muito trabalho. Quinta-feira. O homem diz que chegou agora de Lisboa. Só pode vir amanhã. Entre as 11 e o meio-dia está cá. Sexta-feira. Aqui a moicana levanta-se e pensa, enquanto lhe dá a preguiça matinal, a última do ano em dia de semana em que pode deambular pela casa despreocupadamente, vir à net, facebookar sem constrangimentos de horas e obrigações a cumprir, Tenho de me arranjar, o homem está aí a chegar. Arranjo-me. Desço à sala. Lindinha, lavada e perfumada. E espero e espero e espero e desespero. Homem nada, nicles, rien, népia. Agarro-me ao telemóvel O homem não veio. Liga ao homem. Minutos depois, a boa nova, o homem só pode vir à tarde, entre as duas e as duas e meia. Chegam as duas, passam as duas e meia, as três, as três e meia e de homem nem sombras. Nada, nicles, rien, népia. Atiro-me aos sonhos, faço a massa tenra para as azevias, facebooko um bocado e a campainha toca. Era o homem. Portanto, meus amigos e leitores, eis que me encontro aqui neste ecrã em branco, sitiada na sala a passar as últimas horas de dois mil e dez, enquanto as entranhas da bicha caprichosa são revolvidas e o homem mais desejado dos últimos tempos leva a cabo a tarefa epopeica de ressuscitar a minha máquina de lavar louça ao sétimo dia, que isto de ressuscitar ao terceiro é só para gente especial.
Valha-nos a ironia que deu ao texto um brilho especial.
ResponderEliminarUm ano muito bom, Leonor.
:)))
Tinha de me entreter enquanto davam cabo do capricho da bicha, Maria do Sol :)
ResponderEliminarBeijinhos e um óptimo ano