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segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Crónica de uma falta anunciada

Sabem os deuses como me sabia bem quando os professores nesses tempos idos e quase esquecidos da minha escolaridade se lembravam de não vir. É que nem água vai, nem água vem. Nesses tempos inconsequentes em que ser professor era apenas isso e que não me fizeram mossa, os professores limitavam-se a não aparecer e mantinham vidas saudáveis de quem tinha mais que fazer do que deixar fichas para os seus alunos e matar as cabeças com insucessos, metas e estratégias para definir. As horas de falta dos professores eram passadas no remanso de nada fazer, deixar o tempo voar e saboreá-lo com a indulgência daquela hora em risada disparatada. Ora nos dias que correm os pobres dos meus alunos, a menos que eles próprios faltem, não sabem o que são esses momentos tão redentores de disparate adolescente, de desabafo inconsequente, de reflexões filosóficas sobre a descoberta do mundo todos os dias e não sabem porque desde que inventaram esta coisa das aulas de substituição, aparece-lhes sempre um moicano à frente, pode ser até de Matemática ou Filosofia. Lá vem ele contrariado, e como, de fichas em punho que o professor da disciplina diligentemente deixou para os seus alunos, não vão noventa generosos minutos de coisa nenhuma arruinar o ensino em Portugal e levar à ruína os saberes e competências dos adolescentes. Eu tenho pena dos meus alunos, oh se tenho, mas hoje sendo declaradamente o dia mais triste do ano deu-me uma pena miudinha de mim, minzinha, eu própria, essa mesmo. Quando quarta-feira a minha vida doméstica ameaçava ruir ruidosamente em espirros, febres, tosses e secreções nasais, decretei lá para o fim da tarde que não iria à escola no dia seguinte, resolvi os trâmites legais e fiquei em casa, doente, mas isso não sabia ainda na quarta-feira. Quando hoje regressei à escola, a funcionária abeirou-se de mim Professora, preciso de falar consigo e olhou-me com um olhar inquisitivo antes de me atirar A professora faltou na quinta-feira? Foi aí que me apeteceu gritar bem alto FALTEI! É que já não chega cada vez que se precisa faltar deixar fichas a rodos para a substituição ou deixá-las no dia-a-dia num dossier todo catita ou procurar um colega que o faça e enfrente os alunos contrariados ou deixar mil trezentos e noventa papéis, autorizações e formulários, já não chega a consciência pesada por o ter feito pela primeira vez neste ano, é preciso avisar também a funcionária? É preciso perguntar? Sim, faltei, Dona Belarmina, ao que a Dona Belarmina retorquiu simpática, Então e não me disse nada, professora? Ó pá, deixem-me da perna, deixem-me faltar. Deixem-me, pronto, vá.

9 comentários:

  1. Que doces recordações eu tenho desses feriados assim sem contar, quando me sentava nas escadas do liceu a jogar conversa fora... tadinhos dos miudos de hoje, que nem sabem o que isso é.Fazia parte não era? e quando eram aulas de duas horas? que doce sabor a liberdade! bjs

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  2. Ora bem, Poetic Girl ;-) É claro que não discordo totalmente do princípio das aulas de substituição, mas é impressionante ao que se chegou.

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  3. Pois, aqui na escola ao pé de casa, parece que os professores ainda faltam e os miúdos vão para o café (pelo menos houve um caso na semana passada, que presenciei). O que me faz pensar que a escola, tal como me têm dito, já não é tão de referência como era. Sim, eu também vivi com faltas (e algumas - poucas - baldas, já agora), mas desde que passei a progenitora do século XXI vejo a coisa com outros olhos...

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  4. Os professores continuam a faltar, fungaga, a questão é que cabe às escolas organizarem-se. Aqui, temos de deixar fichas se for uma falta previsível. Para as situações que não se conseguem prever, há um dossier por turma que tem tarefas de cada um dos professores da turma.Em caso de falta, são feitas cópias e o professor substituto dá-as aos alunos.

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  5. Eu deixo! :)
    Ai que belos tempos eram quando dava o 2º toque e do professor nem sinal, e lá íamos todos contentes aproveitar a horita a fazer nenhum, jogar snooker no café mais próximo, comer uns bolitos sossegados no bar... (hoje em dia no trabalho o professor nunca falta ;-))

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  6. é por estas e por outras que eu me sinto feliz por não ser criança nem teenager agora ;-)

    ao menos a liberdade e a alegria desses momentos não nos podem tirar...

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  7. Não tenhas dúvida se bem que à falta destas pequenas liberdades que tínhamos eles têm mais dez vezes de liberdade para sairem. E como eu desejava sair naquela altura, ai mas como...

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  8. Eu no liceu podia sair à vontade sem me perguntarem nada (só no 5º e 6º ano é que não podia). Pelo que era perfeito quando não tínhamos aulas :)

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