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sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Como o amor

As cidades que amamos são como os homens que amamos. Nem sempre conseguem dizer a palavra certa no momento certo, nem sempre estão lá quando precisamos daquele incentivo lamechas de que as mulheres tanto gostam, por vezes deixam as meias desapernadas pelo quarto, os sapatos desarrumados a um canto, há dias em que se remetem a silêncios profundos e prolongam os cigarros fumados em quietudes próprias, excluindo o que se encontra em volta numa redoma intransponível. E, contudo amamo-los, porque nesta forma peculiar de amar não nos deixam e caminham de forma discreta mas consistente a nosso lado sem alardes exuberantes. Como as cidades de que gosto. Nem sempre demasiado belas, nem sempre arrumadas, raramente exuberantes e sempre mas sempre com a dose certa de mistério para que o amor se cumpra. Dificilmente amarei algo que compreenda na plenitude. Há um desafio permanente nesta centelha enigmática que me vai iluminando os dias, algo intangível que me mantém na esperança de tudo compreender. Praga é bela, demasiado bela para o meu amor. Pouco enigmática. Que há mais naquela cidade além da beleza arrumada de ruelas e pontes? E por tudo isto, caio de amores por Berlim. Não é demasiado arrumada, a espaços surgem desalinhos vários, desarrumações e espaços de fealdade abertos aos olhos do mundo. Não é demasiado bela portanto. Lá longe dos olhares dos turistas há lugares onde não há beleza, e, no entanto, a cidade tem lugares deslumbrantes como Kollwitzplatz ou Gendarmenmarkt, cada uma à sua maneira, praças que nos embalam na leveza de dias felizes de uma bebida descontraída entre risadas e mãos que se procuram, dedos que se enlaçam. E há pedaços surpreendentes como Potsdamer Platz, a sensação quase de vertigem de uma outra vivência, mais dramática na metamorfose completa. O amor também se metamorfoseia. E há espaços que doem na memória, todos os amores têm lugares que doem. Há marcas que nos surgem enquanto calcorreamos caminhos, murros no estômago que nos apanham desprevenidos para nos lembrar que há uma História e estórias. E caminha a meu lado. Eu caminho a seu lado. Praga é demasiado bela. Berlim suficientemente humana. Como o amor.

6 comentários:

  1. Também gosto muito de Berlim, é das minhas cidades preferidas, sem ser bonita, meio agressiva até às vezes, por conta dos grafiti :D mas a frase que para mim a define é: em Berlim podemos ser quem nós quisermos.
    Adoro a modernidade da praça Sony :D a alexander platz, o check point charlie é dos meus museus preferidos, a unter den linden e as portas de brandenburgo. e o parlamento, antigo com a cúpula modernaça, linda!
    Bjo

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  2. Isso mesmo, há uma sensação de liberdade em Berlim que não há em mais nenhuma cidade. Só não concordamos em relação ao Checkpoint Charlie, é mesmo dos sítios que menos gosto de Berlim. Irrita-me aquela 'palhaçada' de lá estarem pessoas disfarçadas de polícias a cobrar dinheiro para as fotografias.
    Beijo

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  3. Extraordinária. Extraordinária e bela declaração de amor, Leonor.

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  4. A quem? A Berlim ou ao meu 'gaijo'? :))))
    Beijo

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  5. A ambos, ora essa, a ambos. Ou em português escorreito: a ambos os dois. ;-)

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  6. Ahahahah
    Amabos os dois, claro, agora entendi :)

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