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sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Tu e eu

Sentada no sofá, no mesmo sofá em que soube que jamais serias o mesmo e o corpo te havia traído, encostei a cabeça. Naquele dia também o terei feito incrédula, disparando perguntas que não me sabiam responder. Hoje não havia perguntas. Era uma sexta-feira de Abril, o dia estava cinzento, eu não tinha aulas e deixei a alma e o corpo resvalar na indolência de nada fazer. Um luxo. Um luxo verdadeiro na ligeireza de mais um dia tranquilo. Ligo a televisão.
E encostei a cabeça. Uma lágrima estúpida. Que parvoíce, penso. Que disparate tão grande. A chorar para a televisão. Sacudo a lágrima. Vou até à porta como se enxotasse a dor e varresse porta fora a saudade súbita que me entrou de repente, tão inesperada e imprevisível. Que estúpida, penso, a chorar para a televisão. Sento-me de novo. Talvez a ida breve à porta para respirar o ar cinzento e húmido me tivesse chamado à razão. Espantado a dor, apagado por instantes esta memória que me apanha sempre de surpresa. Esperança vã. Sento-me e choro. Soluços. O coração em solavancos. Atento na transmissão televisiva. A noiva sobe agora a igreja com o pai e aquele pai e aquela noiva, sou eu e tu, Papá. Sou eu e tu que caminhamos lado a lado, és tu que sorris em volta, é o teu braço quente que sinto ainda, a tua presença tão forte, meu querido pai, o teu sorriso tão feliz. Aquele pai e aquela noiva, sou eu e tu, Papá. Serei sempre eu e tu. Seremos sempre nós.

Ao meu pai. No dia em que o sofá ficou para sempre vazio

9 comentários:

  1. Olá, Leonor. Já há algum tempo que a leio, em silêncio. De uma ternura imensa, os seus textos. Quase impossível lê-los sem chorar a olhar para computador. Que parvoíce, não? :) Um abraço apertado dos Açores.

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  2. O sofá que fica vazio. A secretária vazia das mãos e papeis. A curva da rua sem o casaco de todos os dias. Conheço essas ausências. Daí o nó na garganta.

    Um abraço

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  3. A falta que me faz ouvir as gargalhadas do meu pai, o seu abraço, o seu cheiro reconfortante, o seu apoio incondicional, tanta coisa que me faz doer o peito de saudade.

    Um abraço sentido

    Cristina

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  4. Bjo gd, Leonor, e um forte abraço. sou sempre mt sensível a assuntos de pai :)

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  5. Um vazio que se sente, contudo, ainda tão cheio. Bonito!
    ~CC~

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  6. Olá Ilidia, seja muita bem-vinda. Muito mas muito obrigada pelas suas palavras. Não é minha intenção fazê-la chorar, de forma alguma, mas é bom saber que estas palavras tocam a quem as lê. O meu pai era um amante confesso e incondicional dos Açores. Abraço apertado e beijinho.

    É mesmo, Cristina, e estes são momento muito difíceis.
    Beijinho

    Cristina, essa é a verdadeira saudade mas que é muito traiçoeira. Ela apanha-nos quanto menos esperamos.
    Beijinho

    Beijo grande, Isa.

    Muito obrigada, avenalve. Beijos

    Obrigada, CC. Bem-vind@

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