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sábado, 21 de janeiro de 2012

Pessoal e transmissível

A vida corria pacífica na minha escola azul-cueca, tão pacífica quanto é possível numa escola. O povo andava discretamente às turras com a tal de avaliação de professores, aqui e ali irritado com o frio nas salas, lamuriando-se entre as sopas e as lasanhas de hora de almoço pela ausência de subsídios, assunto que por esta altura já atingiu o estatuo de clássico, maldizendo as reuniões, não conheço uma única alma que goste de reuniões, acotovelando-se na miserável sala de professores que nos caiu em sorte como presente da escola intervencionada, até que um dia tudo mudou. Deixámos de ter Direcção, o Director desapareceu, as actas ausentaram-se para não mais voltar, o pobre Janeiro, Fevereiro e Março e restantes meses foram despromovidos, os contactos e acções de formação já eram e até os Directores de Turma sentiam que lhes faltava algo. Uma insignificância, mas faltava alguma coisa muitas vezes abordada nas conversas de circunstância, entre as justificações de faltas e o atendimento dos encarregados de educação Parece-me que me falta alguma coisa. Estou com esta sensação mas não sei muito bem o que é e a resposta Acontece-me o mesmo, até já fui procurar à carteira. Vê melhor nos bolsos, pode ser que lá esteja. 
Não se pense contudo que houve festas e foguetes pelas ausências e que o povo saiu ufano em manifestações de júbilo. Uma vida sem actas pode ser o sétimo céu para muitos de nós, tenho a certeza de que certos Directores não farão muita falta, os contactos são cada vez mais dispensáveis nos dias que correm, o e-mail é o melhor amigo do homem contemporâneo e acções de formação são agora apenas para quem as pode pagar. Para muito poucos portanto. Acontece como se vê que foram todos substiuídos: o Director pelo diretor, a Direcção pela direção, as actas pelas atas, ou desatas, as Acções pelas ações, os pobrezinhos de Janeiro, Fevereiro e Março por janeiro, fevereiro e março e os contactos pelos contatos. Neste fervor acordoortografês houve até uma Acção de Formação e o povo obedece temente às ordens do  grande e único Ministério da Educação.
Acontece também que não é só na cozinha que sou uma transgressora. Podemos explicá-lo pelos astros, os Gémeos gostam de liberdade e não suportam imposições sem que elas sejam devidamente consubstanciadas e justificadas, ou então não e a frase anterior justificará apenas a natureza desta vossa escriba. Terá sido por isso que quando um dia destes tive de enviar um e-mail optei convictamente pela escrita que conheço e aquela em que me sinto em casa. Não houve selecionar nem diretores nem janeiro. E agora, o que me vão fazer? Baixam-me a avaliação? De tanto medo já caí da cadeira e pus-me a prozac. Põem-me na rua? Nunca se sabe. Uma coisa eu sei. Enquanto puder, presumo por algum tempo e enquanto me apetecer, escreverei no português que me apetece: o meu. Aquilo não é o meu português.


Também no Delito de Opinião a propósito deste post do João Carvalho.

5 comentários:

  1. Leonor,
    tentei por mais de uma vez assumir a escrita que tornaram lei como minha. Acabo sempre por fracassar. Mesmo ultrapassando a questão do gosto, que seria relativamente simples de contornar, esbarro sempre na falta de sentido e lógica desta língua que inventaram e me querem obrigar a usar. Se fosse uma evolução valeria a pena o esforço da adaptação mas trata-se de algo tão estúpido!!
    Desisti. Escrevo, no meu Português.
    Quem não gostar... que ponha na borda do prato.
    É claro que não pertenço à docência, logo posso escrever como me der na mona...
    Cumps.

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  2. Exactamente. Se fosse por uma questão de evolução da língua, tudo bem mas há coisas mesmo cretinas. Por que razão temos de escrever os meses com minúscula? Os brasileiros não entenderiam? Obviamente que sim. Não tem sentido. O que me anda a irritar é a pressa com que o querem implementar lá na escola.
    Se fosse professora de Português que remédio tinha eu e mesmo em comunicações oficiais não me restará grande alternativa por causa dos alunos. Quanto ao resto, como aqui nos blogues, escrevo como quero.
    Bom Domingo :)

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  3. Também me manterei firme e hirta até poder! E o texto, fantástico, como sempre :)

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