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quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Por um punhado de prazer

Os meus dias nunca começam exactamente nos dias em que começam. Os dias na escola começam sempre em dias anteriores com preparativos e preliminares mais ou menos longos mas quase sempre trabalhosos. O meu dia de terça começou logo na segunda à tarde com uma bela sessão de correcção de testes, os meus dias de segunda começam sempre nas tardes de Domingo e há outros dias que começam com meses de antecedência e se prolongam além das vinte e quatro horas em que finda o dia. O meu dia de hoje começou com meses de antecedência. Meses antes, digamos lá para fins de Setembro, a professora pariu a proposta, diz que linda e obediente queria levar os seus alunos fora de portas a ver o mundo, um mundo perto, menos remoto do que a outros mundos onde já levou os seus meninos, mas ainda assim um universo além dos portões da escola azul-cueca, lá onde ousam ir os que têm vidas e cujas dias não começam em dias e meses de preparativos intensivos, não vá faltar algum relatório, papel, formulário. Uma minudência, acharão, mas muitas minudências ao longo de muitos anos tornam-se num animal monstruoso de fome insaciável capaz de deglutir papelada como quem mastiga pipocas em dia de cinema, com um apetite mais voraz que uma gata com o cio. Alimentemos então a fera sôfrega. Meses antes dizia então. Ele foi proposta, sobre proposta, objectivos, orçamentos, itinerários, participantes e intervenientes. Uma vez regressada eis-me de novo a alimentar o bicho com mais um relatório. Não era tão mais fácil se disséssemos apenas Malta, bora a Lisboa!? E aí íamos em excursão, ai como gosto desta palavra tão pouco pedagógica, tão impiamente pecadora!, sem mais delongas, papeladas, autorizações, listas, relatórios. Era. Era mais fácil mas não tardaria a avalanche de Conselhos, Pedagógico, Gerais, de pais, que não existe mas achei que dava mais credibilidade à coisa, e alguns outros mais de dedo em riste, mostrando o caminho do cadafalso, indicando o cepo para pousar a desmiolada cabeça, agarrando a primeira pedra para um apedrejamento a preceito. Cumpramos pois o ritual de papéis e formulários para meia dúzia de horas de libertação e prazer. Nunca o prazer precisou de tanta antecipação. Nem de papéis. Já venho.

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