Dizem-me que a cidade me falta e
que bastarão uns fumos
poluentes logo ali na Calçada de Carriche para que se me libertem os humores e
os meus dias se encham de sol. A cidade falta-me, é verdade. Falta-me muitas
vezes. Faltam-me os lugares-comuns da luz de Lisboa e falta-me o bulício de
cidade, pessoas que se cruzam de um lado para o outro, correrias e idiossincrasias
várias. Não que me sinta citadina ou urbana mas as grandes urbes são como ímans
onde sonho sempre regressar.
A vida na aldeia não é como a vida na cidade. A vida na
aldeia é comandada pelos passos lânguidos de um tempo muito próprio, de uma outra
dimensão, como se as horas tivessem uma medida de tempo oculta vagarosa, uma
clepsidra feita de vagares que se alternam noite e dia, e se alongam entre conversas
várias no meio do largo ou em plena rua indiferentes a carros ou quaisquer
outros veículos. Na aldeia reinam as pessoas e os vagares.
Na aldeia não reinam só os vagares. Na aldeia reina a alma de
gente que tem o negócio no sangue. Se puderem vender nunca ficarão parados,
jamais calados perante as qualidades indiscutíveis dos seus bens e irredutíveis
na arte de convencer a freguesia. Não há como eles. A arte está-lhes nos genes.
Na aldeia não há isso de trabalho infantil, há a necessidade de dar um jeito
quando os adultos se ausentam para um qualquer propósito, uma responsabilidade
que se incute sem que daí venha mal ao mundo. Desde tenra idade é vê-los
diligentes nas demasias e a destrocar dinheiro enquanto elogiam as
batatas ou bendizem os morangos e perguntam se queremos ovos caseiros, na cidade diz que são biológicos.
Foi hoje pela fresca. Um almoço de família ditaria uma
sobremesa para a qual me faltava fruta. Rumei à mercearia que agora se acomodou
no largo da igreja mas desta feita quase de frente para a igreja e isto porque,
suspeito, o tempo em que estiveram de costas para a igreja o negócio murchou
como grelos ao sol. Seguiu-se um breve período em que a venda tinha lugar numa
carrinha. Uma vez aberta desvendavam-se cores e aromas, formas rotundas e longilíneas
de legumes e frutos diversificados. Uma festa para os sentidos. Ainda estou
para perceber porque aquele poema do Cesário Verde nunca me convenceu.
Estava lá o João. Tem uns nove anos, quem sabe, uns olhos
azuis acinzentados encantadores e a ginga do negócio no corpo. Estava a jogar
um jogo no computador literalmente virado de cangalhas, a noventa graus e com o
ecrã apoiado em cima duns caixotes, enquanto atendia uma anciã insatisfeita com
a cor tão desmaiada do açúcar amarelo. Os meus olhos saltaram para uns abacates
bem rotundos, um regalo para os olhos, e quando murmurei algo sobre os ditos, o
João saiu da caixa e ensinou-me, pegando num abacate Quer ver, disse, aproximando-o de mim, Se se ouvir o caroço lá dentro está maduro e pegando num outro
exemplificou abanando-o levemente Está a ouvir? Sim, estava.
Comprei morangos para o bolo do almoço de família, não havia ameixas e
as nêsperas não me convenceram. Voltei vagarosa. Perscrutei os patos e galinhas
da vizinha a caminho de casa, a exuberância dos limoeiros e fui cumprimentada
pela fragrância da glicínia à entrada do jardim.
Há dias em que tenho saudades da cidade. Hoje não foi um
deles.
Pois eu tentei uma tarte de framboesas para este fds... tenho de tentar novamente...
ResponderEliminarAdoro framboesas. Já fiz esta receita com framboesas também. Fica óptima :)
EliminarJá fui muito mais citadina, Leonor,de longe. Agora vivo numa cidade bem pequenina - Ílhavo - e trabalho numa vilazinha, mas a escola fica no meio da floresta, a 2 m da praia. Adoro. Noutros tempos, solteira e depois sem filhos, não o teria suportado, era "very social"... hoje é revigorante. :) Mas a grande cidade tem, realmente, grandes atrativos, como a cultura.
ResponderEliminarBeijinho
Eu sou um misto das duas, Fátima, mas adorei os sete anos que trabalhei em Lisboa e andava sempre de um lado para o outro. Agora a profissão cansa-me muito e esta tranquilidade faz-me bem mas não pode ser de mais se não entedia-me de morte. Não há soluções perfeitas :)
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