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sexta-feira, 7 de outubro de 2005

Parabéns!

Hoje faz anos o A. Tal como o meu pai, quando cheguei a este mundo ele já cá estava. Faz parte do meu universo, portanto, e com ele aprendi e vivi todo este tempo. Vezes há em que sinto que o mundo sem eles, sem a minha mãe e sem a D. não faz sentido algum.
É uma personagem singular. Julgo nunca ter encontrado alguém que sequer se lhe assemelhasse. O momento em que estive mais perto foi há uns bons anos, quando uma vez em Londres visitei o National Army Museum, lá para Chelsea, não muito longe de King´s Road. Não tenho memória do que vi em tal museu. As relações afectivas têm o privilégio de nos expor ao desconhecido, à novidade, mas também de deitar no lixo as memórias quando se tornam desnecessárias, supranumerárias ou redundantes. Amarfanhei esse papel da minha existência e joguei-o no lixo. Teria sido mais fácil premir a tecla Delete, caso estivesse então familiarizada com as novas tecnologias. Tal não era o caso, sendo as consequências as mesmas, não obstante. Dessa visita, recordo como único o seguinte episódio. Ao sair e na loja do museu, estava um cesto com uma série de caixas de chocolates, arrumadas com o providencial aprumo militar e a coroá-las, um dístico dos mais divertidos com os quais me cruzei SLIGHTLY OUT OF DATE. Um único pensamento atravessou a minha mente como uma rajada: só o A. seria capaz de tal feito. Se os ditos chocolates estavam apenas levemente fora de prazo, porquê desperdiçar? O A. jamais desperdiçará coisa alguma. Reduce, recycle, reuse, eram os seus lemas muito antes desta onda de consciência ambiental.
Sendo ele uma personagem singular, mantém com os demais relações não menos singulares. O meu pai incluía-se obviamente neste leque peculiar de amizades. Não podiam estar um sem o outro, mas não havia quem os aturasse um com o outro, eles inclusive. Um cabeludo, outro careca, um magro e escorreito, outro menos magro e mais pausado, um mais de esquerda, outro mais de direita. Claro que nos inúmeros encontros ao longo destes 40 anos, um era declaradamente de direita e o outro pugnava por ser quase de extrema-esquerda, o meu pai pois claro. Socorriam-se de epítetos variados para se designarem, sendo o mais comum marreta. Na pacatez do quotidiano partilhavam iguarias gastronómicas “Hoje vou fazer favas, diz a esse marreta para cá vir” soavam amiúde os telefonemas e recados, ao que o marreta senhor meu pai retribuía, mesmo sendo ele o homenageado “Nos meus anos faz macarronada, o A. gosta muito”. Foi assim no seu último aniversário.
Não largou nunca os meus pais o meu querido A., A que também é de amigo genuíno, dedicado e incondicional. Acompanhou o meu pai nesta última caminhada, sempre com a sua D. ao seu lado, ao nosso lado, mulher com uma generosidade directamente proporcional aos seus enormes olhos verdes. Desabafou entretanto “Marreta, foi-se embora e deixou-me a arca cheia de favas…”
Neste seu 71º aniversário aqui fica um beijo GRANDE, certa de que amanhã ao jantar o marreta não irá faltar no seu coração.

7 comentários:

  1. Não conheço o A., mas pelo que li merece sem dúvida um beijinho de parabéns :)

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  2. Ser-lhe-á entregue, fantasminha :) Na foto é o primeiro, mas eu sei que não dá para ver muito bem.
    Beijinhos

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  3. Ah, e esqueci-me de dizer que adorei a história do "ligeiramente fora de prazo" ;o)
    Jinhos grandes para ti também...

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  4. Este senhor e o mesmo da historia dos apanhadores de pennies?

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  5. Não, este é outro. O "apanhador de pennies" eu não conhecia até ao dia em que fui jantar lá em casa. Também já escrevi baseado neste, mas não está nas "Histórias com Mundo Dentro".

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  6. Eu ri-me a perder com o "slightly out of date". Este senhor também é militar, daí eu ter encontrado ainda mais semelhanças.
    Beijocas

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  7. Parabéns A. Amigos assim merecem sempre os parabéns;))

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