Páginas

quinta-feira, 17 de novembro de 2005

Há dias assim

Tudo começou logo pela manhã, quando, pela janela, vi alguém com quem precisava de acertar uns assuntos. Nada de pessoal, diga-se de passagem, considero apenas a contenda uma coincidência intrínseca do viver pasmacento neste rectângulo à beira-mar plantado. Ai andas aí… pensei. O pior mesmo foi quando na trajectória da porta de minha casa para o também meu carro, ele lá estava plantado. Ora vem mesmo a calhar pensei e estendendo-lhe a mão, que sou rapariga de cortesias mesmo nestes dias, arremessei-lhe as palavras que cá me andavam a ocupar tanto espaço, espaço esse, útil, quiçá para outras palavras menos agrestes e corrosivas. Se não libertarmos palavras como temos espaço para outras? Às vezes as palavras abandonam-me, outras sinto-me cheia delas, a abarrotar de frases e textos.
Aos bons dias e na esperança de que tudo se resolvesse a contento e que eu pudesse usufruir do meu terraço antes de bater a bota, era esse o busílis, retirei-me e rumei para o meu local de trabalho, umas palavras e frases mais aliviada, cantarolante até.
Uma vez chegada, troquei impressões, de raspão, sobre um projecto que desde ontem tinha em mente, projecto esse não muito bem recebido pelo que se viu. Ele é o timing, ele é a burocracia, ele é isto e mais aquilo. Percebi então como tão diplomaticamente se bate com a porta nas trombas das pessoas. Na verdade, ainda tinha por aqui umas palavritas soltas daquele tal lote e achei por bem soltá-las assertivamente. Que não, não concordava e ainda que tanto impedimento estava errado no contexto em questão, argumentando, argumentando sempre, consubstanciando, exemplificando e assim sentia as palavras deslizarem pela estrada da minha determinação e alguma calma a invadir-me, liberta que me sentia do enleio de sorrisos e palmadinhas nas costas.
Umas boas duas horas mais tarde, surgiu desta feita um pedido, juntando-se a minha resposta ao ramalhete dos dois desbocanços anteriores. Não, disse eu. E como pode ser libertador, catártico e terapêutico um não. Não. A outra embrulhou a manipulação na bolsa da hipocrisia e lá se foi. O não permite-nos a lealdade a nós próprios. Sinto-me leve agora.
Como não me arremesso na cama aos uivos pela ausência do meu pai, como não me afogo em lágrimas nem me entupo em anti-depressivos, como não me permito sequer mergulhar nas trevas do desalento ou no descaminho da mágoa tenho ultimamente dias como este. A saudade tem caminhos misteriosos.

3 comentários:

  1. As vezes pergunto-me se nao tinha sido melhor ter-me arremessado na cama aos uivos, afogado em lagrimas e entupido com anti-depressivos...sera que tinha resolvido mais depressa os meus problemas, as minhas ansiedades e a falta que eles me fizeram em epocas cruciais da minha vida?? Acho que nao, mas ainda assim a duvida persiste. Falo disto do alto dos meus treze, quase catorze anos de vida sem os meus pais! Por ser tao nova (ou entao nao!), segui em frente, mas passados anos tenho consciencia que tantas coisas que vivi depois, nem sequer as lembro! Os meus anos de faculdade foram levados dia a dia, sem pensar muito para nao "mergulhar nas trevas do desalento" e agora resumem-se a uma grande nevoa que nao lembro muito bem. Mas eu falo pouco do que me enche...e so ha pouco tempo comecei a aprender a largar as palavras que me entopem! E ainda custa...muito!
    Fazes bem L., em escrever, em teres dias assim nos quais arremessas as palavras que te entopem! Fazes mesmo muito bem, penso eu de que! Beijocas amiga!

    ResponderEliminar
  2. Eu também me pergunto se não seria melhor dar-me à dor. É que às vezes isto de empurrar a vida para a frente dói, dói muito. Não imagino o que seria se tivesse ficado sem os meus pais tão cedo, querida P. Felizmente tenho a minha mãe e às vezes penso que embora tivesse vivido mais coisas com o meu pai, vivi muito e coisas boas e divertidas como aqui vou contando. Beijos muito grandes, linda!

    ResponderEliminar
  3. Beijos muito, muito grandes às duas!!

    ResponderEliminar

Comments are welcome :-)