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quarta-feira, 28 de dezembro de 2005

Ai Portugal, Portugal

Hoje, pela hora do almoço, chegou a belíssima notícia de que os funcionários públicos, nos quais me incluo, irão ser aumentados 1,5%. Não chegava já a pedofilia e maus-tratos arrepiantes entrarem-nos pelos olhos dentro, ainda mais arrepiantes e hediondos por serem perpetrados pelos guardiães das crianças, Fátima Felgueiras ter regressado em glória, a demolição do património cultural do país, as contas públicas resvalarem escandalosamente, Soares ter-se candidatado à Presidência e ter referido, entre outros disparates, que a sua próstata se encontra de saúde, Cavaco Silva estar prestes a ser eleito o Presidente deste canto à beira-mar e esquecer-se que deixou de ser primeiro-ministro há muito, graças aos deuses, para agora o governo abrilhantado pelo seu socrático primeiro-ministro brindar o funcionalismo público com este mísero aumento.
Isto começou ontem quando, ao registar um livro numa repartição estatal, me deparei que de um euro e não-sei-quantos cêntimos, os emolumentos tinham passado nada mais, nada menos, para vinte e cinco euro. E depois afixada na dita repartição estava o despacho que nos preâmbulos justificativos anunciava ter sido urgente proceder a uma actualização e que esta tinha sido feita de acordo com a inflação. Pois muito bem, Sr. Dr. Santana Lopes e demais compadres doutores e doutoras, autores do referido aumento, permitido e secundado pelo voto do povo português. O empregado sorriu perante a minha admiração e não estivesse ali pespegada com dois exemplares dessa coisa chamada livro e com a senha para atendimento já nas minhas mãos, ter-me-ia vindo embora. O empregado entreteve-me com conversa agradável. Dada a sua boa disposição, acredito que nem sonharia que hoje seria premiado com este generoso aumento, a menos que sofra de optimismo patológico. Não creio.
Vim-me embora refilando Calçada da Glória abaixo dessa Lisboa de que tanto gosto, capital deste país que tanto me desilude, não apenas pelos 1,5% de aumento, não só pelos vinte e cinco euro do registo das folhas de papel sentidas e escritas, mas por este atalho que estamos a tomar para nos perdermos no labirinto do compadrio e subdesenvolvimento e por se ter ainda descoberto que na intimidade do lar, onde julgo as crianças protegidas e amadas, existem pais que maltratam, violam e assassinam barbaramente os seus próprios filhos.
Obviamente que me lembro do meu pai. O aumento seria apenas a gota de água a transbordar no copo das sucessivas desilusões com a pátria de Camões, madrasta de muitos de nós. Soubera ele de tal e estaria a bradar há já algum tempo. Primeiro por causa do Soares, depois por causa do Cavaco e agora por causa do Sócrates e isto para não falar do escândalo Casa Pia... Caramba! Até é imoral! Não têm vergonha… 1,5%?! Mais valia não aumentarem nada… terá já proferido inúmeras vezes e para rematar, decepcionado e revoltado como sempre pelo rumo deste país dos pequeninos, terá pela enésima vez repetido Foi para isto que se fez uma revolução? Pois, meu querido pai, pelos vistos foi.

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