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quinta-feira, 1 de dezembro de 2005

Travelling pants

Durante um tempo a minha mãe, sempre que o meu pai se virava para levar os pratos para a cozinha, repetia a mesma frase Fernando, endireita as calças! O meu pai, mal jeitoso que sempre foi, lá endireitava as calças seguindo o pedido. As calças, porém, não se deixavam compor. Eram umas calças castanhas. A minha mãe chamava mais a atenção do meu pai para as ditas calças, mais do que com outras calças, ficando bem claro que a culpa era das ditas e tudo isto começou enquanto passavam um fim-de-semana fora. Que as calças quase caíssem ao meu pai era absolutamente normal, perfeitamente natural e de certa forma não um defeito mas um feitio. Serenamente a cintura descaía-lhe-se e também eu lhe chamava a atenção a bem da elegância Papá, puxa as calças! Quando surgiram as primeiras calças de cintura descaída e comecei a ver os meus alunos com mais calças do que rabos e o gancho a aproximar-se dos joelhos, anunciei em casa que o meu pai estaria na moda, mais fashion seria impossível e ainda que seria o percursor de tal tendência. Assim sendo não havia razão alguma para lhe chamar a atenção. Ele ria-se, mas as calças permaneciam no lugar de sempre.
A minha mãe continuava Mas que raio de calças… Agarram-se ao corpo. Compõe-as, Fernandinho! . O Fernandinho, senhor meu pai, dava-lhes mais uma volta e uma ajeitadela para, em breve, elas regressarem ao modo inicial... Findos todos os esforços no sentido de tornar as calças decentes e goradas todas as tentativas do meu pai em fazer o mesmo, decidiu-se arrumar o par de calças no guarda-roupa. Chega! Basta! ACABOU! A minha mãe estava inconformada. Desabafava a espaços Vejam lá que porcaria de calças! As calças haviam sido caras, compradas numa loja de referência da terra, não havia, portanto, razão alguma para se comportarem de tal forma. De resto, não o haviam feito antes e não se conheciam relatos de calças com vida própria como os homens e com esta vontade resiliente, mau grado todas as tentativas. Arrumá-las foi a solução.
Certo dia, quando a minha mãe foi à lavandaria, a empregada abordou-a docilmente A Senhora desculpe, mas… A senhora minha mãe estranhou aquele tom mansinho, o secretismo implícito no comportamento verbal e não verbal da mulher e emprestou-lhe o ouvido, acredito que tenha franzido um pouco o sobrolho e ajeitado a cabeça para melhor escutar a missiva secreta. A Senhora desculpe… continuou a mulher, mas a mulher do senhor D. veio cá buscar as calças do marido e teima que não são estas que lhe demos e fomos ver… e … . E descobriram então que as tinham trocado. A minha mãe prontificou-se para repor a ordem. Quem é que quereria as calças do sr. D., todas tortas, agarrando-se fixamente às pernas do meu pai e de má qualidade, em suma, não bastasse já o facto de não lhe pertecerem? Como a Sra. D, esposa do Sr. D., era uma quezilenta impaciente de cabelo armado e ainda por cima louro pintado, impunha-se uma operação classificada, no maior dos sigilos, portanto, ao anoitecer e depois da loja ter encerrado, a minha mãe secretissimamente levou a cabo a missão, recuperando no crepúsculo mafarrico as calças do meu pai.

3 comentários:

  1. ;o)
    No meu "top 5" de leituras de este ano, não há dúvida que o 1º lugar vai para o teu blog, mais que qq livro.
    Porque não é ficção, porque é verdadeiro, porque dele transbordam sentimentos e sensações. Com as histórias engraçadas que contas, com os momentos mais tristes em que demonstras mais a falta do teu querido pai, em tudo és tu, L., e cada vez me fazes admirar-te mais.
    Obrigada pela tua escrita. E por existires.
    Um beijo grande!

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  2. Estou sem palavras e com as lágrimas nos olhos com tanta coisa bonita que dizes de mim. No outro dia dizias que estavas mais perto de nós na blogoesfera do que de outras pessoas fisicamente presentes, acredita que o mesmo é válido para ti. Mil beijinhos e xis apertadinhos!

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  3. Só o digo por ser verdade...
    Beijos.

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