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segunda-feira, 6 de fevereiro de 2006

Nua

E porque hoje a conversa foi sobre narizinhos apurados aqui fica um texto repescado do fundinho do baú na versão simplificada:

Apenas um nariz. Modesto nas dimensões e comum na forma. Através dele obtinha sensações e com ele viajava no tempo e no espaço. Tal nariz subjugava-a hábitos peculiares, exercidos apenas em privado, no recato do lar, longe de olhares alheios e isto porque mesmo tendo o olfacto a potenciar-lhe sensações, o imperativo de boas maneiras permanecia ao nível do consciente e o super-ego encarregava-se de lhe empurrar o atrevimento para as zonas mais misteriosas do id. Deleitava-se, por exemplo, com o aroma do pão e do vinho, perdendo-se no perfume do vinho a inflamar-lhe os sentidos e, não havendo mal nesse comportamento, permitia-se a indulgência. O mesmo não se aplicava ao acto de cheirar o pão em público e, embora sentisse muitas vezes a vontade imperiosa e quase compulsiva a tomar conta de si, impelindo-a a perpetrar tal falta, atirando-a sem misericórdia para o aroma da frescura do pão mesclado com o calor do forno e o próprio pão a chamá-la insistentemente Anda, cheira-me… inibia-se sempre em prol das regras de etiqueta e ignorava assim o chamamento do pãozinho acabado de cozer.
Nesse dia de Inverno aprazível, nem muito frio nem muito cinzento, estava à conversa com um rapaz. Falavam de banalidades e ela deixava-se enlear pelas palavras agradáveis. Palavras com cheiros e aromas, cor e sabor, que se consentem saborear e devorar, se disso for caso. O assunto não se permite agora adivinhar nem tão pouco se reveste de importância. Falavam apenas pelo prazer da partilha de mais um momento ameno com o sol de Inverno a bater nas vidraças e o calor tépido a desensombrar-lhes as almas. Ela continuava calma, de olhar sereno e o sentir recostado na acalmia do quotidiano e o rapaz igualmente bonançoso e tranquilo, assim o conhecera sempre, disse-lhe, vindo do nada, bem no meio da conversa É Escape, não é? E ela ignorando até ao momento que o rapaz era também ele um rapaz viajante pelo insondável mundo dos aromas, ruborizou tenuemente de embaraço, confirmou-lhe meio tímida a indiscreta descoberta e sentiu-se nua, completamente nua.

6 comentários:

  1. :))

    Com essa do pão é que me lixaste! Agora, mesmo sem ter pão aqui por perto consegui cheirar o pão de Mafra fresquinho e estaldiço que compro todos os sábados na praça de Caneças...
    hmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmm

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  2. Fico contente mas triste por não te poder enviar um pãozinho pelo correio:(
    Quando cá vieres, tens mesmo de vir cá ter comigo para comermos um pãozinho e juntas e metermos a narigana em tudo ;-)

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  3. Também posso ir comer o pãozinho de Mafra??? E também meto o nariz em tudo se for preciso!!!
    ;o)

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  4. Finally i think i can comment on this: Can i say beautiful? :)))

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  5. It´s one of my favourite paintings :)

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