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quinta-feira, 8 de junho de 2006

Futuro

Ultimamente os textos sobre a minha vida profissional escrevem-se sozinhos nas veredas insondáveis da mente. É estranho mas esta coisa de escrever, do escrever, parece por vezes uma torrente imparável e aparece quase como do nada, enquanto faço outras coisas. Há uns dias, semanas talvez, o H. perguntou-me Que estás a fazer? respondi Estou a escrever um texto enquanto lavava alface para a salada, na banca da cozinha, espreitando o mar pela janela e o dia a esconder-se.
Um destes dias estava a falar com os alunos na aula, na verdade, estava a despedir-me deles. Disse-lhes, depois dos trâmites costumeiros da auto e hetero-avaliação e da reflexão em conjunto do que foi feito ao longo deste ano lectivo, que para o ano não seria professora deles, nada que não soubessem já, mas que, não obstante, estaria ao seu dispor para o que precisassem e acrescentei então que já sabiam onde me encontrar, que estaria na sala de professores, pois claro, onde poderiam sempre procurar-me, emendei-me a mim própria, peremptório que estava o futuro à minha frente, e disse-lhes estarei lá para o ano… e durante os próximos 24 anos, o que assim de repente me pareceu assustador e tremendo. Mais vinte e quatro anos da minha vida na sala de professores é um quadro digno de Bosch cheio de criaturas estranhas e até então apenas existentes na nossa imaginação. Receio, contudo, que se tornará real, caso trabalhemos até aos sessenta e cinco anos continuamente a levar bordoada de quase tudo e todos.

imagem: Hieronymus Bosch, A Barca dos Loucos (The Ship of Fools)

4 comentários:

  1. E eu, que já cá ando há 35 anos e tenho de aguentar mais 8?!Vou mesmo estar, nessa altura, se lá chegar, com o aspecto dessas criaturas da Barca dos Loucos! Que horror!Que futuro espera os professores!

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  2. Fiquei mesmo assustada quando, de repente, me apercebi que não era só para o ano que estaria na Escola, faltam-me mais 24 para chegar aos 65. Em vez de trabalhar 36 anos, vou trabalhar 43 ou 44 também. Sinceramente esta medida irrita-me mais do que algumas medidas da ministra. O desgaste é brutal e tenho medo de como vou chegar aos sessenta e cinco, isto se lá chegar...

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  3. Nota 1
    Nada mais desagradável sentar em frente do ecrã sem ter uma ideia do que se vai por lá escrever.
    Nota 2
    Está previsto o "Choque Nacional da Mobilidade", que permitirá a cada trabalhador encetar novas carreiras profissionais, noutras áreas.
    (just kidding)

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  4. Mas eu não quero encetar outra carreira, gosto de ser professora, queria era trabalhar "só" os 36 anos. Pensando bem, outra carreira só se fosse a viajar e a escrever.

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