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quinta-feira, 13 de julho de 2006

Do valor das coisas

O "Expresso" de sábado anunciava que o dono do IKEA tinha vindo a Lisboa em Maio de 2005. Ingvard Kamprad hospedou-se numa pensão lisboeta, para espanto de muitos e, em vez de utilizar um táxi, como fizera à ida, para visitar a loja de Alfragide, apanhou o autocarro, o 14 da Carris, na volta. Diverti-me com a ideia, embora, inicialmente, me tenha passado pela cabeça por que carga de água a simplicidade de um homem, seja ele dono do que for, tenha de ser notícia e, por outro, por que é que o senhor não pode ficar alojado como muito bem e onde muito bem quiser independentemente de ser um considerado o quarto homem mais rico do mundo de acordo com a Forbes. Se se gosta de sardinha, porque tem de se comer caviar para manter um estatuto condizente com as obesas contas bancárias? Vi, nem sei quando, no Biography Channel que não se trata apenas de simplicidade mas antes de controlo absoluto sobre os seus gastos. A verdade não sei, nem sequer é muito importante para o caso, mas isto levou-me a repensar no valor que o dinheiro significa para algumas pessoas, pese embora o lugar-comum de que o dinheiro não traz felicidade.
Numa conversa distante, alguém me dizia que caso lhe saísse uma lotaria qualquer deixaria de trabalhar. Eu respondi-lhe que eu, caso me sucedesse similar, não iria alterar assim tanto a minha vida e que deixar de trabalhar não estava, de todo, nos meus planos. Apenas mudaria alguma coisa: pagaria a casa, compraria outro carro talvez, viajaria muito mais, sem sombra de dúvida, provavelmente abriria uma livraria com estantes de madeira até ao tecto onde me pudesse perder no labirinto das palavras. Evidenciou um misto de indignação e ofensa. Respondeu que até me comprava uma casa melhor, se lhe saísse o prémio. A questão é que eu não queria e nem quero uma casa melhor. Estou bem onde estou, muito obrigada e só não me comove a generosidade, porque de generosidade não era a questão, apenas a convenção de que para sermos felizes e, porque temos dinheiro, a vida deve alterar-se com esse estatuto endinheirado, tornando-se imperiosa a manifestação exterior dos bens materiais. As pessoas é que abrigam a casa, a ternura é que sustenta o tecto. diz Mia Couto. Assim é.
Quem acha que o dinheiro traz felicidade é porque nunca experimentou o lado negro e lunar da vida. A verdade é que dinheiro nenhum me trará de volta o que perdi, dinheiro nenhum do mundo apagará as lágrimas que chorei pelo meu querido pai, o sofrimento de todos nós por e com ele, o seu próprio sofrimento, dinheiro algum o trará de volta para mim, para nós, feliz e saudável e, portanto, de que me serve o dinheiro, se não para comprar coisas que têm preço, quando o melhor e o mais importante da vida não tem etiquetas nem traz código de barras?

Imagem: $9, Andy Warhol

13 comentários:

  1. :-)
    o dinheiro nao traz a felicidade, mas a falta dele traz a infelicidade...
    Mas concordo contigo, em Portugal ha um certo espirito de novo-rico. eu percebo lindamente a atitude do dono da Ikea, e nesse aspecto as pessoas que eu conheco originarias dos paises nordicos tem uma forma de encarar a vida bem mais saudavel

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  2. Era a esse espírito que eu me referia, não a situações de pobreza que estão muitas vezes associadas a questões sociais. Eu compreendo-o perfeitamente e odeio o espírito de novo rico.

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  3. Agora, por questões de tempo, tenho ido de carro para todo lado e DETESTO. Nunca mais me esqueci que o 1º Ministro sueco, Olof Palme, foi assassinado quando se dirigia com a mulher para o metro, depois de ter ido ao cinema. Na altura houve umas abéculas (cá, claro), que atribuiram o assassinato a esse facto e ao de ele não ter guarda-costas. E lembro-me de o Mário Soares ter dito na altura que isso não fazia sentido, porque, 'se eles quisessem matar um gajo, matavam-no fosse como fosse'. A verdade é que vivo num bairro que tem muitos novos ricos, criadas fardadas e mulheres extremamente ociosas e entediadas. A única coisa que vejo é que, com tanto dinheiro, vestem roupas iguais, usam o cabelo da mesma maneira, conduzem os mesmos carros e não me parecem mesmo nada felizes. E quanto a educação e civilidade, nem se fala.

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  4. Educação e civilidade não se compram ;-)

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  5. Concordo plenamente contigo! Nas muitas conversas que tenho com amigos, acerca do que faríamos se nos saísse o Euromilhões, eu costumo dizer algo parecido com o que tu dizes. Pagaria a minha casa, comprava um carrito melhor, viajava e ajudava os meus pais e o meu irmão. De resto, continuaria a fazer o que faço. Gosto muito do meu trabalho e sinto-me realizada profissionalmente. O único problema é ser mal paga, mas aí acabava-se esse problema. ;-)
    As pessoas que dizem que largavam tudo é porque são infelizes com a vida que levam, não me parece que seja só o tal espírito de novo-rico.
    Eu prefiro mil vezes dar uma voltinha no eléctrico 28 em Lisboa do que fazer o mesmo percurso num carro ;)Por exemplo :)

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  6. Li algures que um pedinte do Porto fazia uma viagem grande por ano; às vezes encontrava um dos seus benfeitores. Não sei bem qual é a relação disto com o seu post. Talvez o dono do Ikea tenha querido sentir o comum dos mortais, que encontramos numa pensão ou num autocarro.

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  7. A ultima vez que fomos para a neve demos conta que os reis da Suécia estavam alojados no mesmo hotel que nós. Cheguei a descer com o casal, no elevador, mais a minha filha. Jantavam e tomavam o pequeno almoço como todos os outros hóspedes na sala comum, sem qualquer aparato de segurança.
    Fiquei admirada, porque sempre achei que "este tipo de pessoas" não se cruzavam, no dia a dia, com o comum dos mortais.
    E pareciam-me simpáticos!

    O problema são os "novos-ricos". aqueles a quem sai a lotaria e mudam de vida de um dia para o outro!

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  8. Concordo contigo, e com o que diz a Flor. Podemos sempre "melhorar" algumas coisas e aproveitar a liberdade financeira para os pequenos prazeres que nem sempre estão ao alcance constante do bolso.
    Mas eu deixaria de trabalhar, aqui onde trabalho, porque não gosto do que faço e cada vez mais gosto menos das pessoas que me rodeiam. Mas depois iria fazer exactamente isso que disseste: "abriria uma livraria com estantes de madeira até ao tecto onde me pudesse perder no labirinto das palavras". É que eu não o podia ter dito melhor. É o meu maior sonho, esse :)

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  9. Tal como disse no post, ajeitaria algumas áreas da minha vida mas não alteraria o essencial porque esse não depende do dinheiro. Eu também gosto da minha profissão e, mesmo com todo o desgaste, seria incapaz de deixar de trabalhar. É lógico que podia dar asas ao meu bichinho das viagens, mas quando olho para onde já fui sinto-me feliz e se me "fosse" amanhã não levava frustrações ligadas ao factor material.
    Fantasminha, então se tivermos guito lá vem a livraria :)

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  10. Rui Pedro, pelo que li, o dono do Ikea é mesmo assim, não gosta de luxos e, por exemplo, nunca viaja em executiva.
    Parece-me também que, de facto, os povos do norte da Europa têm um pragmatismo que nos ultrapassa. A ética protestante não será absolutamente alheia a isso. Contactei algumas vezes com alemães em situações oficiais e não têm nada a ver com os seus homólogos portugueses.
    E mãe babada, parece-me que isso seria impossível cá em portugal, essa mistura com a plebe ;-)

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  11. Tens absoluta razão no que dizes! Infelizmente, hoje em dia, muita gente tem as prioridades erradas. Todas erradas.
    Beijos

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