A conversa ocorria no lado oculto da mercearia. À entrada eram apenas perceptíveis vozes femininas conversando. O L invertido em que está disposta permite que não se consiga vislumbrar à entrada o que se passa na secção das pastas de dentes e champôs, lá para o lado da arca frigorífica guardando no seu borco um delicioso bacalhau com natas. Gritei bom dia! que se falasse apenas não me ouviriam e não dar os bons dias é ainda crime grave em estabelecimentos análogos felizmente. Pouco me ligaram. Terão correspondido com um bom dia automático embrenhando-se de novo na conversa. A irmã da dona da mercearia responsável pelo bom funcionamento do estabelecimento, guardiã de frutas e legumes, era uma das interlocutoras. É uma mulher jovem com dois rebentos, uma já púbere iniciada nas lides da mercearia e outro ligeiramente mais jovem mas que, no dizer da mãe, quer a escola longe e, segundo a qual, ler não é actividade que o rebento execute com facilidade pa ler e escreber é que tá pior. A mulher tem um feito irascível e uns nervos fracos travados apenas pelo chamar enérgico da matriarca, a quem habitualmente cede e obedece sem aborrecimentos de maior.
Uma ocasião estava a mercearia cheia. A mulher tomou-se de razões com o filho, cujo ar rufia sempre me traz à memória a nova coqueluche do futebol português. A voz ia crescendo à medida que a distância física diminuía da criança. Meia dúzia de perguntas Onde é que bocê foi? Quem é que disse que bocê podia iri? Quem é que deu autorização a bocê pra iri? e zás, trás, pás, dois estaladões na fronha do garoto. Tudo acatou sem lamúria, apenas um franzir de testa e o acentuar da expressão facial já pouco satisfeita no início da contenda que opunha a mãe ao filho. Mais uma vez impunha-se a intervenção da matriarca da mercearia, com o chamar vigoroso da filha como uma chamada de atenção e amiúde um ponto final em conversas ou atitudes menos adequadas ao contexto, afinal a mercearia estava cheia, não havia necessidade de revelar os segredos de uma ida à pesca sem autorização e muito menos o esbofetear da criança em público junto à máquina de cortar fiambre numa zona da mercearia descoberta a todos os olhos. Assim foi.
Naquele dia a conversa continuava mais perto dos meus olhos, mais próxima dos meus ouvidos à medida que fui penetrando a floresta de hortaliças, pão, frutas várias e chocolates Regina. Ah pois dizia uma eh pá. Isso é que não! As mulheres entretanto deslocavam-se atrás da irmã da dona da mercearia, visto ter chegado mais gente para atender e é sabido que conversa é bom mas não enche barriga, portanto, urgia atender a freguesia. E lá vieram aos pois, pois, ah pois é até que uma concluiu eh pá, na saber ler na faz muita falta, mas na saber fazer contas… eh pá, isso é que faz falta!
Diz-se que por aqui andaram árabes e judeus e que terão por aqui largado sementes várias. Não será por acaso que as casas são decoradas com azul e que, tal como os antepassados na Península Ibérica, os saloios tenham grande acuidade comercial e intuição mercantil, além do olhar mais desconfiado que se viu e que fui (re)encontrar curiosamente na Tunísia, concluindo pois de mim para mim Ai é daqui, é daqui que eles vêm… Saber ler na interessa nada, agora na saber fazer contas é que não, senão como dar trocos e demasias, destrocar notas e executar outras operações provenientes do negócio? Tá bem, tá.
Uma ocasião estava a mercearia cheia. A mulher tomou-se de razões com o filho, cujo ar rufia sempre me traz à memória a nova coqueluche do futebol português. A voz ia crescendo à medida que a distância física diminuía da criança. Meia dúzia de perguntas Onde é que bocê foi? Quem é que disse que bocê podia iri? Quem é que deu autorização a bocê pra iri? e zás, trás, pás, dois estaladões na fronha do garoto. Tudo acatou sem lamúria, apenas um franzir de testa e o acentuar da expressão facial já pouco satisfeita no início da contenda que opunha a mãe ao filho. Mais uma vez impunha-se a intervenção da matriarca da mercearia, com o chamar vigoroso da filha como uma chamada de atenção e amiúde um ponto final em conversas ou atitudes menos adequadas ao contexto, afinal a mercearia estava cheia, não havia necessidade de revelar os segredos de uma ida à pesca sem autorização e muito menos o esbofetear da criança em público junto à máquina de cortar fiambre numa zona da mercearia descoberta a todos os olhos. Assim foi.
Naquele dia a conversa continuava mais perto dos meus olhos, mais próxima dos meus ouvidos à medida que fui penetrando a floresta de hortaliças, pão, frutas várias e chocolates Regina. Ah pois dizia uma eh pá. Isso é que não! As mulheres entretanto deslocavam-se atrás da irmã da dona da mercearia, visto ter chegado mais gente para atender e é sabido que conversa é bom mas não enche barriga, portanto, urgia atender a freguesia. E lá vieram aos pois, pois, ah pois é até que uma concluiu eh pá, na saber ler na faz muita falta, mas na saber fazer contas… eh pá, isso é que faz falta!
Diz-se que por aqui andaram árabes e judeus e que terão por aqui largado sementes várias. Não será por acaso que as casas são decoradas com azul e que, tal como os antepassados na Península Ibérica, os saloios tenham grande acuidade comercial e intuição mercantil, além do olhar mais desconfiado que se viu e que fui (re)encontrar curiosamente na Tunísia, concluindo pois de mim para mim Ai é daqui, é daqui que eles vêm… Saber ler na interessa nada, agora na saber fazer contas é que não, senão como dar trocos e demasias, destrocar notas e executar outras operações provenientes do negócio? Tá bem, tá.
Essa mercearia é um mundo! Ou é a cronista que tem muito talento.
ResponderEliminarBjo
A cronista tem muito talento, ai tem tem!
ResponderEliminarExcelente , vou ser habituée.
A mercearia é mesmo um mundo. Obrigada :)
ResponderEliminarAcho que este é o terceiro texto da mercearia. Era para iniciar as "Crónicas da Mercearia", assim se chamou o primeiro, mas depois os textos foram ganhando outros títulos.
Adorei! :-)
ResponderEliminarLOL!
ResponderEliminarPois eu cá gosto muito de saber fazer contas mas saber ler também dá um jeitaço, ou não teria conhecimento destas pérolas! ;o)
E continuo a achar que a cronista bem que podia escrever um livro e publicá-lo!
Obrigada Fantasma e flor... o problema do livro não é escrevê-lo, tenho dois escritos, o problema é que não há quem me publique. Tive uma Menção Honrosa no Prémio Nacional de Conto Manuel da Fonseca com uma colectânea de contos de viagem há dois anos e nada de me publicarem. Acho que só se passasse por aqui alguém que achasse piada às minhas histórias. Bjs e obrigada pelo apoio
ResponderEliminar:oS
ResponderEliminarSe fosses uma Fátima Lopes eras publicada num instantinho! Grunf!
Realmente... tanto livro por aí que não vale o papel em que está impresso...
ResponderEliminarPois eu cá já sou fã das crónicas da mercearia!