Certo dia a filha da dona da mercearia tomou-se de amores e calores por um rapaz das redondezas. Era proprietário de uma bomba azul metalizada. Amiúde o carro estava estacionado à porta da mercearia indicando as visitas regulares tanto à rapariga encalorada como à restante família, visto não haver fronteiras distintas e demarcadas no estabelecimento. Fiambres e detergentes, legumes e feijões são parte integrante desta existência mercantil não sendo já possível delimitar quem e o quê pertence a quem e a quê. Certo, certo é que o próprio armazém sito numa ruela estreita da aldeia a escassos metros da mercearia, rua essa que vê o seu trânsito limitado e cortado com um rotundo sinal de proibição caso a dona do estabelecimento e do armazém, pois claro, efectue descargas para fornecer a mercearia, terá sido palco de entregas de amor intenso, acredita-se, de juras também de amor eterno. Tal ficou posteriormente provado mediante a metamorfose do corpo da rapariga. A dona da mercearia não se mostrou surpreendia nem aflita. Ela mesmo, segundo me disse, experimentou as delícias de uma maternidade precoce e a filha foi criada no seu dizer sobre as caixas de fruta, bebé ainda, na impossibilidade de alguém que lhe tomasse conta. Hoje mulher e mãe também é feliz saudável, não aparentando mossa pela infância entre alfaces e rabanetes, pêssegos e uvas.
Findos uns meses largos, num dia em que apenas se encontrava na mercearia a irmã da dona, perguntei se a rapariga, sua sobrinha portanto, já tinha tido bebé. A mulher respondeu-me Sabe lá, temos lá uma bebé tão linda, tão linda! Felicitei-a pela ocasião feliz e a mulher sacou do telemóvel e mostrou-me a fotografia do rebentinho. Era linda pois. Seguiram-se as perguntas habituais. E correu tudo bem? procurei. Graças a Deus corrê tudo bem, mas teve que ser cesariana. Já a nha irmã tamém foi… é os ossos, os ossos na alargam A mulher assumiu um ar pesaroso, algo contristado nesta ocasião. Na verdade, eu não via mal algum nesta ocorrência e achando que o Criador não foi amigo das mulheres quando as fez assumir atitudes, esgares e posições que não levam ao diabo mais velho para parir os seus rebentinhos, pareceu-me uma belíssima opção, de resto, como me parece ainda hoje. Acrescentei, alardeando a minha ignorância Foi melhor assim A mulher eriçou-se Ai, bocê na diga isso… bocê sabe lá… Tinha razão. Não sabia mesmo. É que aquilo é uma dor linda, linda, linda acentuando intensamente a adjectivação. A gente tá ali e custa um cadinho né, mas ópois, qando a gente bê os nossos filhos… passa logo Escutava-a com atenção Aquilo passa logo, passado um becado a gente já esqueceu só dólhar pra eles Manda o bom senso que nos calemos perante as nossas ignorâncias e desconhecimentos. Assim fiz. Deixei a mulher elogiar os encantos da maternidade, louvar o amor que produz o esquecimento. Bocê um dia bai ber. Talvez, pensei . E ela continuou É aquela dor é uma dor ca gente esquece, passa logo, co tempo já na dói mais, mas há outras… fez uma pausa e olhou-me fixamente numa referência inequívoca à partida do meu querido pai. Há outras ca gente na esquece nunca e às bezes inté parece que ficam pior. E de novo para mim E bocê sabe muito do que tou a falari. Há dores ca gente na esquece nunca e co tempo inté doem mais. Quem sabe, sabe. Quem sabe da dor, sabe da vida.
Findos uns meses largos, num dia em que apenas se encontrava na mercearia a irmã da dona, perguntei se a rapariga, sua sobrinha portanto, já tinha tido bebé. A mulher respondeu-me Sabe lá, temos lá uma bebé tão linda, tão linda! Felicitei-a pela ocasião feliz e a mulher sacou do telemóvel e mostrou-me a fotografia do rebentinho. Era linda pois. Seguiram-se as perguntas habituais. E correu tudo bem? procurei. Graças a Deus corrê tudo bem, mas teve que ser cesariana. Já a nha irmã tamém foi… é os ossos, os ossos na alargam A mulher assumiu um ar pesaroso, algo contristado nesta ocasião. Na verdade, eu não via mal algum nesta ocorrência e achando que o Criador não foi amigo das mulheres quando as fez assumir atitudes, esgares e posições que não levam ao diabo mais velho para parir os seus rebentinhos, pareceu-me uma belíssima opção, de resto, como me parece ainda hoje. Acrescentei, alardeando a minha ignorância Foi melhor assim A mulher eriçou-se Ai, bocê na diga isso… bocê sabe lá… Tinha razão. Não sabia mesmo. É que aquilo é uma dor linda, linda, linda acentuando intensamente a adjectivação. A gente tá ali e custa um cadinho né, mas ópois, qando a gente bê os nossos filhos… passa logo Escutava-a com atenção Aquilo passa logo, passado um becado a gente já esqueceu só dólhar pra eles Manda o bom senso que nos calemos perante as nossas ignorâncias e desconhecimentos. Assim fiz. Deixei a mulher elogiar os encantos da maternidade, louvar o amor que produz o esquecimento. Bocê um dia bai ber. Talvez, pensei . E ela continuou É aquela dor é uma dor ca gente esquece, passa logo, co tempo já na dói mais, mas há outras… fez uma pausa e olhou-me fixamente numa referência inequívoca à partida do meu querido pai. Há outras ca gente na esquece nunca e às bezes inté parece que ficam pior. E de novo para mim E bocê sabe muito do que tou a falari. Há dores ca gente na esquece nunca e co tempo inté doem mais. Quem sabe, sabe. Quem sabe da dor, sabe da vida.
foto: minha
Ao meu querido pai no dia em que um ano passa.
Lindo, papalagui. Mesmo lindo.
ResponderEliminarUm beijo muito grande, também com muitas saudades de quem nos deixou cedo demais.
ResponderEliminarObrigada Milucha.
ResponderEliminarHá dores que nunca passam,é certo, mas hoje, a esta mesma hora, doi mais! Este sofá, junto de mim,de onde ele me sorria com todo o seu amor, adquiriu proporções maiores, parece ainda mais vazio... No entanto, eu sei que , onde quer que esteja, continua a olhar-me e a sorrir...
Que post lindo, Papalagui. "Quem sabe da dor, sabe da vida..."
ResponderEliminarAdmiro cada vez mais como consegues produzir beleza, partindo do vazio da ausência.
Muitos bjs pra ti.
Dear Leonor, there is nothing I can add that the comments above already say. I read you and I know, I know. It is too easy to feel exactly what you express, but it is not necessarily a bad feeling. Unwanted, Uninvited, yes it is all that. O tempo é capaz de diminuir essas dores. Mas se desaparecerem, signifaria que os nossos sentimentos para os nossos queridos partidos tivessem mudados, ou pior, que não fossem tão fortes ou sinceros como acreditavamos. Portanto é a razão por que não passam. Which is no bad thing. I will always admire your sharing of what you are going through and I will bew here for you too, like you are for me. As is our custom on these awful anniversaries, I wish you a long life of fulfilment and all the joys you deserve.
ResponderEliminarBeijos a tod@s e obrigada pelas vossas palavras.
ResponderEliminarSodona teimosita, é claro que onde estiver o Papá estará sempre a sorrir-te e sempre contigo. Um amor assim é maior que tudo.
Querida Luisinha: obrigada pelos sinais q me tem enviado, de várias maneiras.Bom mesmo ouvir a sua voz!O abraço está para breve!!
ResponderEliminar:-)
ResponderEliminarAo fim de uns meses de ter os meus gémeos, que nasceram de cesariana, a mãe de uma amiga minha disse-me: de cesariana, ai que não sabe o que é ser mãe! E ainda bem que não o sei, mas sou mãe de três queijinhos lindos.
ResponderEliminarA dor da partida não passa, pois não, fica cá sempre... mas também está cá sempre a memória dos tempos felizes do teu pai, do meu pai, da minha tia, de todos, ainda bem.
Bêjos
Beijo grande
ResponderEliminarBela homenagem.
ResponderEliminarNâo te imaginava já de regresso, papalagui. Tão bonito, este texto, tão bonito e dolorido. Um abraço muito apertado.
ResponderEliminarAinda não estou de regresso mas não podia deixar o dia em vão. Beijos grandes
ResponderEliminarTão bonito, e tão verdadeiro.
ResponderEliminarEu, que depois de ter a Inês jurava que o próximo só se fosse a cegonha a vir cá deixar, já não me importava de voltar a passar por tudo outra vez.
Já a outra dor, não passa de todo!
Um beijo grande.
Minha linda, escrevo aqui com um bocadinho de atraso, mas sabes que estou a pensar em ti. E a dar-te um abraço muito apertadinho, a dizer que o que escreveste é lindo (não que seja novidade) e que por mais que a dor não passe, nós estamos cá para te ajudar a suportá-la.
ResponderEliminarBeijo MTO grande, e aproveita o Brasiú :)
Enquanto houver a tua memória, ele continua a viver.
ResponderEliminarUma bjoka e um abraço
Venho tarde mas ainda a tempo, penso eu!
ResponderEliminarQuem sabe, sabe:))
Adorei o post.A dor física esquece-se, a outra a que nos toca no coração nem sempre passa.Resta-nos aprender a viver com ela.
ResponderEliminarPassei por aqui para desejar bom regresso a casa.Fico à espera de crónicas e fotos da viagem.Nós, por cá, as mães, também estivemos entretidas, lol.
ResponderEliminarBeijinhos