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segunda-feira, 18 de setembro de 2006

Porto (in)Seguro

Todos os dias da minha vida tento libertar-me de preconceitos, ter um olhar límpido sobre a realidade em meu redor e afastar-me dos estereótipos que me assolam a capacidade de percepção do outro e o arrumam em categorias. Diz-se pois que não se deve julgar nunca um livro pela capa, que as aparências iludem e que nem tudo o que é parece. Depois deste exercício começo então a acreditar, além da observação do real e da reflexão, na intuição e, regra geral, percorridos todos os passos, acontece-me verificar a premissa da qual parti, tranquilizando-me quanto ao que supeitei serem preconceitos.
Quando parti para Salvador no ano passado e o avião fez escala em Porto Seguro verifiquei, pelo modos de tanto quem abandonava o avião como de quem entrava, que o português, generalizando, sabido é que há sempre excepções, que viaja para este destino tem lacunas graves a nível de civilidade e de convívio com os demais. O comportamento é ruidoso, não que ser ruidoso em si seja uma falta, mas o tipo de ruído que produz é pouco abonatório das suas pessoas: berra, mexe-se sem cuidado de incomodar quem está tranquilamente sentado e diz piadas brejeiras, mal-educadas e grosseiras. Para dizer a verdade, nunca entendi esta necessidade que os portugueses, passageiros de charters, têm em mexer, mexericar e revolver tudo mas tudo o que se encontra à sua volta: as instruções de segurança, tudo bem se se quiser manter informado, a capacidade de recostar os bancos, os folhetos na bolsa à sua frente e as luzes, luzinhas e saídas de ar sitas por cima das suas cabeças. Concomitantemente dão balanços no assento, espeta os joelhos nas costas do banco da frente, desaperta ruidosamente os cintos assim que tal é permitido e levanta-se de seguida para ficar em pé nos corredores ou mesmo nos seus lugares olhando para os seus companheiros de viagem. Não percebo, não entendo. Mas será que não podem ficar tranquilos nos seus lugares, levantar-se apenas quando necessário e absterem-se de dizer disparates? Certo é que gente assim há por todo o lado, o problema é quando se juntam todos num espaço exíguo sem possibilidade de fuga. Parem! Parem! Parem o avião que quero sair, se faz favor.
Em Porto Seguro verifiquei as suspeitas iniciais: as atitudes exasperam o mais tolerante. Tratam os guias, comerciantes e todo o pessoal do hotel por tu, pedem descontos a torto e a direito, dizem piadas ordinárias, estabelecem comparações com a realidade à sua volta, imperando sempre que o nosso Portugal é que é bom, seguro, limpo, civilizado e organizado, a nossa comida a melhor do mundo, algo que me escapa também. Pergunto-me de que Portugal vem aquela gente que fala a língua de Camões e que revela um desrespeito total constrangedor perante a cultura do Outro ou de que Portugal venho eu, então.
Numa visita aos índios Pataxós um homem atrás de nós avisava alto e bom som que não trocava a sua casa pela deles, ai não trocava não, então trocava lá agora?! Alguém perguntou aos índios se trocavam as suas ocas pela mansão do energúmeno? E depois continuou: peixe? Mas que raio de peixe era aquele que nos serviram lá assado numa folha com farinha de mandioca? Nada como as suas sardinhas assadas na brasa. Sim, o nosso peixe é muito melhor, o safio e as douradas, o cherne e o pargo. Para a próxima vez será melhor avisar os índios para servirem uma sardinhada com pimentos e pepino, batatas cozidas e pão caseiro e para não se esquecerem da vinhaça, se faz favor, do garrafão de cinco litros, pois claro, e em vez de fazerem cerimónias aos deuses, proferindo preces indecifráveis, toca a pôr o Quim Barreiros, o Nel Monteiro ou a Ágata. É que assim uma pessoa nem tem vontade de sair de Portugal.
Foto: minha
Maceió, 2006

5 comentários:

  1. "Cambada" de atrasados.

    Uma das piores viagens de avião que fiz foi Londres/Porto nas vesperas de natal. (Andámos a perder aviões pelo mundo fora e a unica maneira de vir parar a casa nesse dia era via Porto). Depois de muitas horas do voo em cima, ainda aguentámos com os senhores no banco da frente a beber bagaceiras umas a trás das outras. O cheiro e os modos (levanta, senta, cadeira à frente, vira para o lado para gritar com os compatriotas de outros bancos, piropos de muito mau gosto às hospedeiras...). Custaram-me mais essas duas horas do que as outras trinta e duas...

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  2. Como te compreendo... é que não há pachorra.

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  3. Esse comportamento de grupo de turistas nos aviões, hotéis, lojas, restaurantes, monumentos, etc. é quase universal. Muitas vezes meus compatriotas já me deixaram constrangido, irritado e incomodado com o seu comportamento em vôos internacionais, com suas inúmeras maletas e sacolas ocupando todo o espaço disponível nos compartimentos de bagagem, conversas em voz alta, idas e vindas pelos corredores, etc. Mas minha última viagem fiquei cercado por várias fileiras de pessoas que falavam em voz alta um idioma desconhecido para mim, que soava como de origem eslava. Só na fila da imigração é que descobri que eram alpinistas sérvios que retornavam de uma escalada pelos Andes peruanos e bolivianos. E, individualmente, eram pessoas simpáticas. Deve ser o tal comportamento de "imersão no coletivo" de que falam os psicólogos. (vide torcedores de futebol, por exemplo)

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  4. É que é mesmo assim! Sem tirar nem pôr. Só falta mencionar os cigarros que acendem assim que saem do avião, quer seja local de fumadores ou não. Tenho vergonha de ser portuguesa nessas alturas.
    Beijos

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  5. Se pudesse viajava sempre em voo regular. Avenalve e Pitucha, compreendo bem o constrangimento e avergonha, eu tive vergonha das figuras que os portugueses fazem em Porto Seguro e da imagem que fica de nós enquanto povo.
    Neste voo de regresso tivemos o azar de ficar nos lugares do meio entre duas casas de banho e acreditam que durante sete horas e meia as pessoas foram à casa de banho?
    Bjs a todos

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