Maldigo a espaços a natureza noctívaga que me impele a não aproveitar a plenitude das manhãs luminosas. Era pois uma manhã de sol aquela em que inesperadamente me (re)encontrei na cidade que albergou e nutriu o amor do meu pai e de minha mãe, os viu crescer juntos e assistiu também numa manhã de sol à união indissolúvel e nesta manhã a luz beijava a cidade, o céu azul como cenário para a Sé, as ruelas estreitas e o granito, sempre presente, definitivo e resistente, frio e imenso, o D. Duarte bem no meio da praça e as gentes acordando com a cidade, um bom dia aqui e ali, o bulício miudinho como um formigueiro trespassante, um corpo que se espreguiça com a alvorada do espírito, as portas das lojas abrindo como pestanas e gente daqui para ali com algo para entregar, pão, jornais, encomendas, e a luz e eu e o meu pai, presente e ausente, redescobrindo a cidade e ele sussurrando-me vês, vês como é bonito o granito, vês, como é linda a Sé, olha aqui e eu, sem ele e com ele, a tudo ver, sim, Papá, que linda está a cidade, que bonito o granito sim, e olha Papá, olha ali e ele sempre a meu lado, rematando, eu bem te disse, filha. Afinal, quem é que tinha razão? deixando-me sem resposta, apenas com as palavras engasgadas na garganta eras tu, Papá e ambos continuámos pela cidade, eu e ele, eu revendo tudo e ele reafirmando, como sempre, as suas certezas e feliz, como sempre, em partilhar o que lhe era querido como sempre fez também. A beleza desvela-se em partilhas invisíveis. As cidades ocultas revelam a sua perfeição em diálogos inaudíveis.
foto: minha
AUSÊNCIA
ResponderEliminarPor muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
Carlos Drummond de Andrade
Bem-vinda e obrigada pelo poema.
ResponderEliminarAs palavras são sentidas, Paulo. Obrigada pelos textos.
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